A maricultura de algas e bivalves apresenta um elevado potencial económico. Porém, igualmente importante é o seu potencial para regenerar a saúde do oceano e do planeta, gerando em simultâneo rendimento para as comunidades costeiras.
Proteger e promover um oceano saudável e resiliente, é condição fundamental para assegurar a segurança alimentar, proteger a biodiversidade e assegurar o desenvolvimento sustentável e a preservação do Planeta e da Humanidade.
Nos últimos 50 anos, a população humana duplicou; a economia global quase quadruplicou; e o comércio mundial aumentou dez vezes. Estas surpreendentes conclusões foram publicadas em 2019, no Relatório de Avaliação sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services).
O crescimento contínuo da população gerou o aumento da produção e consumo de alimentos, assim como o aumento da produção industrial e da extração de recursos naturais, em paralelo com o incremento do consumo de energia.
Em consequência do crescimento de todos estes fatores, verificou-se um aumento da produção de resíduos e de poluição, nomeadamente das emissões de gases de efeito de estufa (GEE), com impacto direto nas alterações climáticas e consequentes eventos meteorológicos extremos.
Em paralelo, registou-se a perda crescente de biodiversidade, ameaçando os ecossistemas e os serviços por estes prestados, criando graves impactos negativos no planeta. O mesmo relatório (IPBES) identificou cinco fatores-chave diretamente responsáveis pelas alterações negativas na natureza e na biodiversidade: alterações na utilização do mar e da terra, em primeiro lugar; exploração direta de organismos, em segundo lugar; alterações climáticas, em terceiro lugar; poluição, em quarto lugar; e por último, as espécies não nativas invasoras.
Impactos das alterações climáticas
Os impactos das alterações climáticas não se medem apenas nos efeitos negativos na biodiversidade do planeta – a sua amplitude é transversal, constituindo um fenómeno que a todos afeta.
Entre os impactos diretos no planeta, destacam-se o aumento da temperatura global; o aumento dos fenómenos meteorológicos extremos (inundações, secas, ondas de calor, incêndios); a alteração do ciclo hidrológico do planeta afetando a disponibilidade de água e a produção de alimentos; e o aumento do nível da água do mar, com potencial para submergir ilhas e incrementar a erosão das regiões costeiras.
O oceano, que absorve cerca de 30% das emissões antropogénicas de CO2 e mais de 90% do excesso de calor do sistema climático, é afetado de forma desproporcional e particularmente dramática pelas alterações climáticas. Entre os impactos negativos, destacam-se o aumento da temperatura da água; a acidificação por absorção de CO2 e produção de ácido carbónico; o derretimento das calotas polares, implicando mais água doce e menos reflexão solar; as alterações nos teores de salinidade e de oxigénio; as migrações de espécies devido ao aumento de temperatura; e a degradação dos ecossistemas marinhos e costeiros e consequente perda de biodiversidade marinha.
Mitigação e adaptação
Existem atualmente duas linhas de atuação para limitar as emissões de GEE e prevenir os impactos das alterações climáticas. Por um lado, através de ações de mitigação para diminuir a concentração de GEE na atmosfera, reduzindo as emissões e aumentando o sequestro de carbono. Por outro, através de ações de adaptação das regiões às mudanças previsíveis, para minimizar os efeitos negativos das alterações climáticas nos ecossistemas e na qualidade de vida da população.
Alterar os hábitos de consumo de alimentos e a forma como os produzimos, constitui uma das possíveis ações de mitigação para reduzir as emissões de GEE. Constitui, também, uma iniciativa extremamente relevante para proteger a biodiversidade e travar a degradação dos ecossistemas, e até mesmo para promover a sua recuperação, através da implementação de soluções regeneradoras.
Sabemos hoje que cerca de 12% das emissões globais de GEE têm origem direta no setor da agricultura, incluindo a criação de gado. Este valor pode atingir uma proporção de 24%, se adicionarmos o impacto da alteração de uso da terra (por exemplo através da desflorestação para criação de áreas de cultivo ou criação de gado).
Adicionalmente, de acordo com o relatório das Nações Unidas sobre desenvolvimento dos recursos hídricos, publicado em 2021, sabemos que o uso global de água doce aumentou seis vezes nos últimos cem anos e que a agricultura é responsável por 69% das retiradas de água em âmbito mundial, a qual é usada principalmente para irrigação, mas também inclui a água para rebanhos bovinos e aquicultura. A agricultura é assim um dos maiores contribuidores para a escassez de água e uma das principais vítimas deste fenómeno.
Curiosamente, embora o oceano cubra cerca de 71% da superfície do planeta, contribui apenas com 2% em base calórica, para o suprimento mundial de alimentos.
A maricultura (aquicultura em águas marinhas) assume assim enorme potencial na produção de alimentos, entre muitos outros benefícios, demonstrando que existem consideráveis oportunidades de escala.
OCEANO SAUDÁVEL, FONTE DE SEGURANÇA ALIMENTAR
Segurança alimentar – a importância das algas marinhas
A preservação das algas marinhas naturais e o seu cultivo em maricultura, merecem particular destaque dada a sua importância para mitigar várias ameaças e apoiar a segurança alimentar em todo o mundo.
As algas marinhas contribuem diretamente para a segurança alimentar, como uma fonte rica em nutrientes, contendo grandes quantidades de ómega-3, potássio, ferro, cálcio e fibras. Contribuem também indiretamente, melhorando a agricultura através da oferta de suplementos para a alimentação animal e bio estimulantes para as plantas.
As algas marinhas constituem também uma importante solução para a produção de plásticos biodegradáveis, substitutos de plástico de base fóssil; para a produção de biocombustíveis; representando ainda um vasto potencial de inovação na medicina. A indústria de algas marinhas tem ainda potencial para criar e partilhar benefícios sociais, através de cadeias de valor distribuídas e inclusivas, criando empregos nas comunidades costeiras.
As algas marinhas representam também um importante papel na descarbonização da economia, atuando em várias frentes. Por um lado, substituindo produtos alimentares intensivos em emissões, provenientes da agricultura convencional. Por outro, através do sequestro de carbono derivado do seu crescimento na zona de luz solar do oceano, fixando o carbono através da produção primária fotossintética. Em conjunto, as macroalgas e as microalgas são responsáveis por 50% da fotossíntese no planeta.
Importa referir que as macroalgas marinhas são excelentes produtoras de biomassa, apresentando taxas de crescimento rápidas. Algumas espécies, como a alga castanha Macrocystis pyrifera, podem crescer até 50 cm por dia em condições ideais e atingir o comprimento de até 60 metros. Algumas florestas de algas fixam carbono em taxas superiores às alcançadas em florestas tropicais. Esta rápida produção de biomassa e taxa de fixação de carbono podem ser aproveitadas para promover a descarbonização da economia, de forma natural.
O cultivo de algas marinhas contribui também para regenerar os ecossistemas oceânicos e oferecer benefícios em termos de adaptação ao clima, que ajudam a aumentar a resiliência. Entre estes benefícios, merecem destaque a absorção de CO2 e a libertação de O2, combatendo os fenómenos de acidificação e desoxigenação; a proteção costeira e a prevenção da erosão do solo, pela atenuação da energia das ondas comuns em tempestades; os serviços de biorremediação que melhoram a qualidade da água pela remoção do excesso de nutrientes, combatendo a eutrofização; e a contribuição para a melhoria da biodiversidade.
A diversificação do sistema alimentar, complementando a agricultura tradicional, pode também ajudar a criar resiliência aos possíveis impactos das mudanças climáticas, como as secas.
Outros benefícios podem ainda ser gerados por sistemas que usam insumos de forma mais eficiente para produzir alimentos e rendimento, como a aquicultura multitrófica integrada (integrated multi-trophic aquaculture IMTA) que combina o cultivo de algas marinhas com a criação de bivalves e/ou peixes.
Maricultura regenerativa (regenerative ocean farming)
A maricultura regenerativa é um modelo de aquicultura que beneficia a natureza, no qual algas e/ou bivalves (ostras, vieiras, amêijoas, mexilhão) são cultivados de forma que não requer água doce, ração, fertilizante ou outros insumos no processo de produção, dado que o oceano contém nutrientes suficientes para apoiar o crescimento saudável das espécies.
Este sistema compreende uma rede simples de cordas e cestos suspensos logo abaixo da superfície da água, com as diferentes espécies de algas e bivalves crescendo em diferentes profundidades.
Alguns modelos de maricultura regenerativa assentam num sistema de policultura 3D, que usa toda a coluna de água para cultivar uma mistura diversificada de bivalves e algas marinhas. Este método é muito eficaz, pois empilha uma série de culturas umas sobre as outras, criando abundância numa pequena área. Existem também sistemas que cultivam apenas uma espécie.
Benefícios da maricultura regenerativa
A maricultura regenerativa acumula a oferta de benefícios específicos das algas marinhas, apresentados anteriormente, com os benefícios das espécies bivalves. Adiciona ainda benefícios múltiplos resultantes das sinergias existentes e das próprias estruturas de cordas e cestos.
A maricultura regenerativa tem potencial para mitigar as alterações climáticas, através do sequestro de CO2 e/ou redução das emissões de GEE. Conforme referido, as algas marinhas podem absorver grandes quantidades de carbono diretamente. Adicionalmente, podem substituir ou reduzir a necessidade de práticas agrícolas terrestres com pegadas de carbono maiores. A título de exemplo, a aquicultura de bivalves produz 20 vezes menos emissões por quilo de proteína do que a produção de carne bovina. Ao adicionar certas espécies de algas marinhas às dietas do gado ruminante, os agricultores podem reduzir as emissões de metano em mais de 80%. As algas marinhas também podem reduzir as emissões, atuando como uma alternativa aos produtos baseados em combustíveis fósseis, incluindo fertilizantes e embalagens plásticas.
A maricultura regenerativa protege as regiões litorais. As algas marinhas podem amortecer a energia das ondas em até 33%, protegendo assim as costas contra a erosão e as tempestades costeiras. Os recifes de ostras também podem atenuar a energia das ondas, o que pode reduzir a erosão ao longo da costa em até 54%.
A maricultura regenerativa melhora a qualidade da água e aumenta a biodiversidade. Ostras, mexilhões e amêijoas são filtros poderosos – uma única ostra pode filtrar até 190 litros de água por dia. A água mais limpa pode facilitar o crescimento de pradarias marinhas e outros habitats que abrigam caranguejos, peixes e invertebrados juvenis, aumentando a biodiversidade marinha local. Adicionalmente, os sistemas de cordas e cestos utilizados imitam a estrutura vertical de um recife oceânico, fornecendo camadas de diferentes habitats para uma grande diversidade de espécies marinhas.
Ao absorver o excesso de nutrientes, como o azoto e fósforo provenientes do escoamento de terras agrícolas costeiras ou do fluxo de estuários fluviais, devido ao uso excessivo de fertilizantes, as algas marinhas e os bivalves podem ajudar a mitigar a proliferação de algas nocivas, reduzindo a probabilidade de eutrofização e o risco potencial de zonas mortas no oceano.
A maricultura regenerativa gera empregos e riqueza para as comunidades costeiras, apresentando um potencial para gerar 50 milhões de empregos diretos e 100 milhões de empregos indiretos em todo o mundo. Pode também oferecer uma oportunidade para os pescadores diversificarem a sua fonte de rendimentos, situação particularmente importante à medida que a pesca de captura diminui ou aumentam as zonas sujeitas a restrições de pesca.
A maricultura regenerativa aumenta ainda a segurança alimentar e nutricional. Os bivalves não são apenas uma fonte de proteína animal, mas também uma fonte de aminoácidos e nutrientes como vitamina B12, ferro, cálcio e zinco. As algas são também ricas em proteínas e nutrientes vitais, como vitamina C, ferro e iodo.
Conclusão
O crescimento da população não irá diminuir, prevendo-se que o planeta atinja 9,8 mil milhões de habitantes em 2050. A produção e o consumo de alimentos irão acompanhar este crescimento. Porém, o planeta tem limites.
O oceano terá um papel a desempenhar na promoção da segurança alimentar, face a estes números crescentes. Os modelos de produção regenerativos, recorrendo ao biomimetismo – inovação baseada na natureza – serão parte obrigatória das soluções a implementar.
Proteger e promover um oceano saudável e resiliente, é condição fundamental para assegurar a segurança alimentar, proteger a biodiversidade e assegurar o desenvolvimento sustentável e a preservação do Planeta e da Humanidade.
TEXTO: Álvaro Sardinha, 2023