Turismo azul sustentável – prevenção da poluição marinha – gestão de resíduos a bordo de navios

O turismo, mais do que muitos outros setores, é altamente dependente da qualidade do ambiente. Porém, e em simultâneo, tem sobre ele determinante impacto. A prevenção da poluição marinha e a gestão de resíduos a bordo de navios, são fundamentais para a concretização de um turismo azul sustentável e responsável.


O presente artigo, da autoria de Álvaro Sardinha – fundador e diretor do Centro de Competência em Economia Azul (C2EA) – foi elaborado em janeiro 2025, no âmbito do projeto de avaliação defendido na unidade curricular Waste Reduction and Management in Tourism Enterprises, da pós-graduação Sustainable Strategies for Tourism Hospitality, realizada pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL).

Os conteúdos apresentados são também enquadrados e desenvolvidos, nos vários módulos do Programa de Liderança e Especialização em Economia Azul (PLEA), realizado pelo C2EA.

1. INTRODUÇÃO

1.1 Importância do turismo

Atualmente, o volume de negócios do turismo iguala ou até ultrapassa o das exportações de petróleo, produtos alimentares ou automóveis. O turismo tornou-se um dos principais atores no comércio internacional e representa, em simultâneo, uma das principais fontes de rendimento para muitos países em desenvolvimento.

Em 2019, antes da pandemia de COVID-19, o setor do turismo e viagens representava 10,4% do PIB global (US$ 10,3 triliões) e 10,5% de todos os empregos (334 milhões). Em 2023, este setor contribuiu com 9,1% para o PIB global; um aumento de 23,2% face a 2022 e apenas 4,1% abaixo do nível de 2019. As previsões apontam para um crescimento na contribuição do setor para o PIB global, representando 10% em 2024 e 11,4% em 2034.

Em termos comparativos, em 2023, a indústria automóvel global contribuiu cerca de 3% para o PIB global; em 2021, a indústria do petróleo e gás contribuiu 3%; em 2024, os produtos alimentares deverão representar cerca de 8,33% do PIB global (US$ 9,12 triliões). Em Portugal e relativamente a 2023, o turismo representou 9,5% do PIB; 19,8% das exportações globais; 48,6% das exportações de serviços; e 6,2% do emprego total.

1.2 Impactos do turismo

O turismo, mais do que muitos outros setores, é altamente dependente da qualidade do ambiente. Porém, e em simultâneo, tem sobre ele determinante impacto. A pegada ambiental do setor do turismo e viagens não pode ser ignorada, revelando-se particularmente relevante em cinco áreas: emissões de gases com efeito de estufa, consumo de energia, consumo de água, poluição e extração de matérias-primas.

1.3 Economia azul e turismo azul

A economia azul foca-se na utilização dos recursos aquáticos e na promoção do desenvolvimento económico, sem comprometer a saúde e a sustentabilidade do oceano, do planeta e das pessoas. A economia azul abrange todos os espaços aquáticos, incluindo o oceano, mares, costas, lagos, rios e águas subterrâneas.

A economia azul compreende uma série de atividades relacionadas com os meios aquáticos, como a pesca, a aquicultura, o turismo azul, os portos e o transporte marítimo, a construção e reparação naval, a energia renovável oceânica, a biotecnologia azul, a robótica marinha, o ensino e investigação, entre outras.

O turismo azul abrange três áreas: (1) náutica de recreio ou turismo náutico; (2) turismo costeiro ou turismo de praia e sol; e (3) turismo marítimo ou turismo de cruzeiros.

O turismo azul representa, pelo menos, 50% do valor total do turismo global. Constitui o maior setor económico para a maioria dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento e para muitos Estados costeiros.

O turismo azul é um dos setores de atividade da economia azul mais relevantes. Em Portugal, o turismo azul representa 44% do valor acrescentado bruto produzido pela economia azul. Em Portugal, mais de 54% da população reside até 10 km da costa.

1.4 Turismo azul sustentável

O turismo azul sustentável depende fortemente da saúde dos recursos naturais costeiros e oceânicos, bem como da sua qualidade estética. Existe um forte incentivo para proteger o ambiente, comprovando-se que os esforços de preservação resultam em valor económico.

A poluição marinha reduz o valor dos bens e serviços oferecidos pelos meios aquáticos, que são altamente valorizados pelo setor do turismo. As regiões costeiras são mais sensíveis à poluição marinha, dado que as suas comunidades dependem dos recursos naturais, particularmente nos Estados insulares.

A maior parte da poluição marinha tem origem em terra. Os resíduos (incluindo plástico) e os escoamentos municipais, industriais e agrícolas, são responsáveis por até 80% de toda a poluição marinha. As políticas de gestão de resíduos implementadas em terra são fundamentais para reduzir esta fonte de poluição.

A restante poluição marinha (cerca de 20%), tem origem na atividade de embarcações de pesca e navios da marinha mercante, incluindo cruzeiros. A regulamentação da gestão de resíduos, aplicada aos meios e às atividades que se desenvolvem no mar, é fundamental para reduzir esta fonte de poluição.

O presente artigo foca-se neste último parágrafo – caracterização da poluição por resíduos provenientes de atividades em meios aquáticos – evoluindo para as metodologias de gestão de resíduos a bordo de navios – identificando a regulamentação existente; as estratégias e os planos aplicados; e as tecnologias associadas.


2. ORGANIZAÇÕES E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

2.1 Organização Marítima Internacional (IMO)

A Organização Marítima Internacional (IMO International Maritime Organization) é uma agência especializada das Nações Unidas, que desenvolve e mantém uma estrutura reguladora abrangente para o transporte marítimo, contando atualmente com 176 países membros e 3 associativos. Tem, como objetivo, instituir um sistema de colaboração entre governos, no que se refere a questões de navegação comercial internacional, bem como encorajar a adoção geral de normas relativas à segurança marítima e à eficácia da navegação. A IMO concentra-se em áreas como a segurança, preocupações ambientais, prevenção e controlo da poluição dos navios, assuntos jurídicos, cooperação técnica, proteção marítima e eficiência do transporte marítimo. Esta organização inclui hoje praticamente todas as nações do mundo com interesse em assuntos marítimos, incluindo os que estão envolvidos na indústria do transporte marítimo e os estados costeiros com interesse em proteger o seu ambiente marítimo.

2.2 Convenção para a Prevenção da Poluição Marinha Causada por Operações de Imersão de Resíduos e Outras Matérias (Convenção de Londres, 1972)

A Convenção para a Prevenção da Poluição Marinha Causada por Operações de Imersão de Resíduos e Outras Matérias (Convention on the Prevention of Marine Pollution by Dumping of Wastes and Other Matter), geralmente referida como Convenção de Londres, foi adotada pela IMO em 1972, tendo entrado em vigor em 1975.

A Convenção de Londres tem com como objetivo proteger o ambiente marinho da ação humana, estabelecendo, de forma ampla, que “As Partes Contratantes promoverão, individualmente e coletivamente, o controlo efetivo de todas as fontes de poluição do meio ambiente marinho e comprometem-se especialmente a tomar todas as medidas possíveis para prevenir a poluição do mar por imersão de detritos e outras matérias suscetíveis de colocar em perigo a saúde do homem, de causar dano aos recursos vivos e à vida marinha, de prejudicar as possibilidades de recreio ou de dificultar outras utilizações legítimas do mar.”

Foca-se, no entanto, na poluição por imersão de resíduos e outros produtos, no sentido em que imersão significa “Qualquer vertimento deliberado no mar, de detritos ou outros produtos efetuado por navios, aeronaves, plataformas ou outras estruturas feitas pelo homem no mar” e “Qualquer vertimento deliberado no mar, de navios, aeronaves, plataformas ou outras estruturas feitas pelo homem no mar”.

Importa, desde já, esclarecer que esta Convenção não considera como “dumping”, as descargas operacionais de embarcações ou instalações offshore; as descargas de oleodutos de costas ou cidades; e os resíduos despejados nos rios e no mar, a partir de terra.


A Convenção estabelece que as Partes Contratantes proibirão a imersão de quaisquer detritos ou de outros produtos enumerados no seu anexo I (Black List); que a imersão de detritos ou outros produtos enumerados no seu anexo II (Grey List) requer uma autorização prévia especial; e que a imersão de todos os outros detritos e produtos requer uma autorização prévia geral. Estabelece ainda que só será concedida qualquer autorização, após consideração cuidadosa de todos os fatores enunciados no seu anexo III, incluindo estudos prévios das características e composição dos detritos, assim como do local da imersão.

Em 1996, foi acordado o Protocolo de Londres para modernizar ainda mais a Convenção e, eventualmente, substituí-la, tendo entrado em vigor em 2006. Segundo o Protocolo, todo o despejo é proibido, exceto o de resíduos possivelmente aceitáveis (condicionados a aprovação prévia), identificados no seu Anexo I. Esta lista, também chamada lista inversa (reverse list), inclui os seguintes resíduos:

  1. Material dragado (dredged material);

  2. Lamas de esgoto (sewage sludge);

  3. Resíduos de peixe (fish wastes);

  4. Embarcações e plataformas ou outras estruturas artificiais no mar (vessels and platforms or other man-made structures at sea);

  5. Material geológico inerte e inorgânico, por exemplo, resíduos de mineração (inert, inorganic geological material, e.g., mining wastes);

  6. Material orgânico de origem natural (organic material of natural origin);

  7. Artigos volumosos compostos principalmente por ferro, aço e betão (bulky items primarily comprising iron, steel and concrete); e

  8. Fluxos de dióxido de carbono provenientes de processos de captura de dióxido de carbono para sequestro (carbon dioxide streams from carbon dioxide capture processes for sequestration).

O objetivo do Protocolo é semelhante ao da Convenção, mas o Protocolo é mais restritivo: a aplicação de uma “abordagem preventiva” é incluída como uma obrigação geral; é adotada uma abordagem de lista inversa, o que implica que todo o despejo é proibido, a menos que seja explicitamente permitido; é proibida a incineração de resíduos no mar; e é proibida a exportação de resíduos para fins de despejo ou incineração no mar. Em 2022, foi aprovada uma emenda ao Protocolo, a qual removeu as lamas de esgoto (sewage sludge) da chamada lista inversa, passando a ser proibido o despejo deste tipo de resíduos.

Portugal ratificou a Convenção de Londres, porém não ratificou o Protocolo de Londres. Alemanha, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Noruega, Países Baixos, Reino Unido, Suécia, são alguns dos 55 países que ratificaram o protocolo (até janeiro de 2025).


2.3 Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL, 1973)

A Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL International Convention for the Prevention of Pollution from Ships), foi adotada pela IMO em 1973, tendo entrado em vigor em 1983. Esta Convenção tem o objetivo de prevenir e evitar todas as formas de poluição provocados por navios no mar. Inclui seis anexos, preocupando-se com a prevenção de diferentes formas de poluição marinha por navios:

  • (I) óleo combustível;

  • (II) substâncias líquidas nocivas transportadas a granel;

  • (III) substâncias nocivas transportadas em embalagens;

  • (IV) esgoto (sewage);

  • (V) descarte de lixo (garbage); e

  • (VI) poluição do ar.

A Convenção MARPOL é hoje uma das mais importantes convenções ambientais internacionais, estabelecendo regras para a completa eliminação da poluição intencional do meio marinho, por óleos e outras substâncias perigosas, oriundas de navios, bem como a minimização de descargas acidentais daquelas substâncias no ar e nas águas marinhas.

Anexo IV – Regras para a prevenção da poluição por esgotos sanitários dos navios

O Anexo IV da Convenção MARPOL (esgoto - sewage) contém um conjunto de regulamentos relativos à descarga de esgotos no mar pelos navios, tendo entrado em vigor em 2003.

Aplica-se aos navios envolvidos em viagens internacionais, com arqueação bruta igual ou superior a 400 (cerca de 40 metros de comprimento), ou que estejam certificados para transportar mais de 15 pessoas.

Para efeitos do Anexo V, esgoto (sewage) corresponde a águas negras (black water) e significa: (1) drenagem e outros resíduos de qualquer tipo de sanitários e urinóis; (2) drenagem das instalações médicas através de lavatórios, tanques de lavagem e esgotos localizados em tais instalações; e (3) drenagem de espaços contendo animais vivos. O Anexo exige que os navios estejam equipados com uma estação de tratamento de esgotos aprovada; ou um sistema aprovado de trituração e desinfeção de esgotos; ou um tanque de retenção de esgotos. O esgoto referido não inclui águas cinzentas (grey water), provenientes da drenagem de ralos de louça, chuveiros, lavandarias, banheiras e lavatórios.

É proibida a descarga de esgotos para o mar, exceto quando o navio tiver em funcionamento uma estação de tratamento de esgotos aprovada; ou quando o navio estiver a descarregar esgotos triturados e desinfetados, utilizando um sistema aprovado, a uma distância de mais de três milhas náuticas da terra mais próxima. O esgoto que não seja triturado ou desinfetado pode ser descarregado a uma distância de mais de 12 milhas náuticas da terra mais próxima quando o navio estiver em rota e a navegar a uma velocidade não inferior a 4 nós.

É geralmente considerado que, em alto mar, o oceano tem a capacidade de assimilar e lidar com os esgotos brutos através da ação bacteriana natural. Por conseguinte, os regulamentos do Anexo IV proíbem a descarga de esgotos no mar a uma distância especificada da terra mais próxima, salvo disposição em contrário.

Os governos são obrigados a garantir o fornecimento de instalações de receção adequadas nos portos e terminais para a receção de esgotos, sem causar atrasos aos navios.

Anexo V – Regras para prevenção da poluição por lixo (garbage) dos navios

O Anexo V da Convenção MARPOL (Prevention of Pollution by Garbage from Ships) procura eliminar e reduzir a quantidade de resíduos despejados no mar pelos navios, tendo entrado em vigor em 1988.

Aplica-se a todos os navios, de qualquer tipo, que operem no meio marinho, desde navios mercantes a plataformas fixas ou flutuantes e navios não comerciais, como embarcações de recreio e iates.

De forma geral, o Anexo V proíbe a descarga de lixo (garbage) no mar, exceto quando disposto de outra forma nos regulamentos 4, 5 e 6 do Anexo, que estão relacionados com resíduos alimentares; resíduos de carga não nociva para o ambiente (Non-HME - Not Harmful to the Marine Environment); agentes de limpeza e aditivos; e carcaças de animais. As exceções relativas à segurança do navio e das pessoas a bordo e às perdas acidentais constam do regulamento 7 do Anexo V.

O lixo (garbage) referido inclui todos os tipos de alimentos, resíduos domésticos e operacionais, todos os plásticos, resíduos de carga, cinzas de incineradores, óleo alimentar, equipamento de pesca e carcaças de animais, gerados durante a operação normal do navio e suscetíveis de serem eliminados contínua ou periodicamente. O lixo (garbage) referido não inclui o peixe fresco e partes dele, gerados como resultado de atividades de pesca realizadas durante a viagem, ou como resultado de atividades de aquicultura.

Os resíduos de carga são definidos como os restos de qualquer carga, que permaneçam no convés ou nos porões, após o carregamento ou descarregamento. Regra geral, os resíduos de carga que contenham substâncias classificadas como nocivas para o ambiente marinho (HME - Harmful to the Marine Environment) não devem ser descarregados para o mar, devendo ser levados para instalações de receção portuárias. Relativamente à descarga de resíduos de carga que não contenham substâncias HME, o Anexo estabelece requisitos diferentes, consoante estes estejam contidos na água de lavagem ou não.


2.4 Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982)

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS United Nations Convention on the Law of the Sea), foi adotada em 30 de abril de 1982, tendo entrado em vigor em 16 de novembro de 1994. Esta Convenção define os direitos e responsabilidades dos Estados, no que diz respeito à utilização e exploração dos mares e do oceano, estabelecendo diretrizes para as empresas, o ambiente e a gestão dos recursos naturais marinhos, que pretendem facilitar as comunicações internacionais e promover o uso pacífico dos mares e do oceano, a utilização equitativa e eficiente dos seus recursos, a conservação dos recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação do meio marinho. A Convenção foi ratificada por Portugal em 1997.

A proteção do ambiente marinho e a prevenção contra a poluição marítima são objetos essenciais do direito internacional. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, estabelece que a poluição do meio marinho “significa a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesma provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde do homem, entrave às atividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização e deterioração dos locais de recreio”. Sem erro, podemos concluir que a definição apresentada se estende a todos os meios aquáticos, incluindo rios e lagos.

Relativamente à poluição marinha, a Convenção estabelece que “Os Estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio marinho.” e que “Os Estados devem tomar, individual ou conjuntamente, como apropriado, todas as medidas compatíveis com a presente Convenção que sejam necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho, qualquer que seja a sua fonte, utilizando para este fim os meios mais viáveis de que disponham e de conformidade com as suas possibilidades, e devem esforçar-se por harmonizar as suas políticas a esse respeito.”


3. GESTÃO DE RESÍDUOS A BORDO DE NAVIOS

3.1 Categorias de resíduos

O Anexo V da Convenção MARPOL – Regras para prevenção da poluição por lixo (garbage) dos navios – apresenta uma classificação dos resíduos a bordo, agrupando-os em 11 categorias:

  1. Plásticos;

  2. Desperdícios de alimentos (food waste);

  3. Resíduos domésticos (domestic wastes);

  4. Óleo de cozinha;

  5. Cinzas de incineradores;

  6. Resíduos operacionais;

  7. Carcaças de animais;

  8. Material de pesca;

  9. Resíduos elétricos (e-waste);

  10. Resíduos de carga não nocivos para o ambiente marinho (Non-HME); e

  11. Resíduos de carga nocivos para o ambiente marinho (HME - Harmful to the Marine Environment).

O Anexo V apresenta ainda a exigência – em determinadas condições – da elaboração de um Plano de Gestão de Resíduos e do registo de operações com resíduos num Livro de Registo de Resíduos.


3.2 Plano de gestão e registo de resíduos

Todos as embarcações com arqueação bruta igual ou superior a 100 (cerca de 20 metros de comprimento); todas as embarcações certificadas para transportar 15 pessoas ou mais; e todas as plataformas fixas ou flutuantes, devem ter um Plano de Gestão de Resíduos a bordo (Garbage Management Plan), que inclua procedimentos escritos para minimizar, recolher, armazenar, processar e eliminar os mesmos.

Devem ainda ser dotados de um Livro de Registo de Resíduos (Garbage Record Book), onde deverão ser listadas todas as operações de eliminação e incineração, com registo de data, hora, posição do navio, descrição do lixo e a quantidade estimada incinerada ou descarregada.


3.3 Receção de resíduos em instalações portuárias

A eficácia das disposições do Anexo V, depende em grande parte da disponibilidade de instalações de receção de resíduos adequadas, em portos e terminais.

Por conseguinte, o Anexo V obriga também os governos a garantir a existência de instalações de receção de resíduos, sem causar atrasos indevidos aos navios e de acordo com as necessidades dos navios que os utilizam.


4. RECEÇÃO DE RESÍDUOS EM INSTALAÇÕES PORTUÁRIAS


4.1 Meios de receção de resíduos de navios

O destino dos resíduos produzidos a bordo dos navios é um assunto incontornável nas políticas ambientais do meio marinho, devendo as autoridades portuárias assegurar a existência de meios de receção adequados nos portos, de acordo com o estabelecido na Convenção MARPOL. A disponibilização e a utilização de meios portuários de receção e gestão de resíduos, contribui para a proteção do ambiente marinho, através da redução das descargas de resíduos no mar.

A instalação e a utilização de meios portuários de receção de resíduos, provenientes de navios que escalem portos nacionais, é regulada pelo Decreto-Lei n.º 102/2020, que transpôs a Diretiva 2019/883/UE para o direito interno nacional.

O operador de transporte marítimo de navio que se dirija a um porto nacional, preenche o modelo constante do anexo III ao referido decreto-lei e do qual faz parte integrante, submetendo-o eletronicamente para análise e aprovação da autoridade portuária, ou da entidade gestora do porto. Regra geral, a referida comunicação deve ser efetuada com a antecedência mínima de 24 horas relativamente à chegada do navio.


4.2 Plano de receção e gestão de resíduos gerados em navios

As autoridades portuárias, ou as entidades gestoras dos portos, devem elaborar um Plano de Receção e Gestão de Resíduos (PRGR), após consulta às partes interessadas, nomeadamente aos utilizadores do porto ou aos seus representantes e, nos termos das respetivas atribuições, às autoridades competentes a nível local, aos operadores do meio portuário de receção, às entidades gestoras que aplicam as obrigações decorrentes da responsabilidade alargada do produtor, ao sistema municipal de gestão de resíduos ou ao sistema gerido por outra entidade em seu nome e aos representantes da sociedade civil.


5. TURISMO DE CRUZEIROS


Naturalmente, a atividade de turismo a bordo de navios de cruzeiros, está sujeita a todas as Convenções e legislação apresentada.

O facto de, em muitos casos, os navios de cruzeiros transportarem um elevado número de passageiros (turistas e tripulantes), implica uma elevadíssima produção de todos os tipos de resíduos a bordo. Esta situação obriga as companhias de cruzeiros a adotar tecnologias avançadas e sistemas de gestão de resíduos de última geração.


Alguns navios de cruzeiros, de grandes dimensões e de construção recente, incluem sistemas e tecnologias avançadas para a gestão de resíduos, procurando processar ao máximo os mesmos a bordo, evitando o armazenamento e a descarga posterior em instalações portuárias.

Reciclagem a bordo

Os navios mais recentes do Grupo Royal Caribbean (por exemplo o Icon of the Seas), incluem um rigoroso programa de reciclagem, para garantir que 90% dos resíduos a bordo nunca chegam a um aterro sanitário. Para tal, dispõem de uma área de gestão de resíduos de última geração, totalmente equipada para gerir um processo de reciclagem de fluxo único.

Conversão de resíduos alimentares em energia

A utilização de sistemas de pirólise assistida por micro-ondas (MAP Microwave-Assisted Pyrolysis), permite converter resíduos alimentares em energia. Para tal, estes resíduos são desidratados e transformados em pellets, sendo estes encaminhados para o sistema MAP, que os converte em combustível gasoso (gás de síntese) e biocarvão (biochar). O gás de síntese alimenta uma caldeira de gás para produzir vapor. A energia dos alimentos é assim recuperada, substituindo o uso de combustível fóssil.

Conversão de resíduos alimentares em águas residuais

A utilização de biodigestores permite converter resíduos alimentares em águas cinzentas. O biodigestor (biodigester) é uma máquina automática, que reduz resíduos alimentares sólidos ao estado liquido, através de um processo microbiano aeróbico. O equipamento opera continuamente e recebe a maioria dos resíduos alimentares, desde a preparação até ao pós-consumo. Os resíduos alimentares são convertidos em águas cinzentas, que podem ser armazenadas ou descarregadas no mar.

Conversão de resíduos gerais em energia

O sistema de micro-gaseificação (MAGS Micro Auto Gasification System) converte vários tipos de resíduos em energia térmica. Os resíduos tratados por este sistema incluem papel, plásticos, alimentos, trapos oleosos, óleos, lamas, entre outros, não sendo necessária a sua segregação. Os resíduos são convertidos em gás de síntese e biochar. O gás de síntese alimenta uma caldeira de gás.


6. CONCLUSÕES

A maior parte dos problemas do oceano e dos mares tem origem em terra. O meio marinho é ameaçado por resíduos provenientes de terra, arrastados pelas correntes dos rios e pelas chuvas; pela força do vento; e por inúmeras descargas de efluentes industriais, municipais e agrícolas. É também ameaçado pela atmosfera, que apresenta elevadas concentrações de gases de efeito de estufa, provocando a sua acidificação.

Como se não bastasse, o oceano e os mares são ainda ameaçados e violados, por descargas não autorizadas de resíduos a partir de navios e de pequenas embarcações.

A situação é de tal forma grave, que se pode considerar que o oceano e os mares são verdadeiros “caixotes de lixo”, vazadouros à mercê de consciências adormecidas.

Paradoxo do turismo azul

Conforme sustentado por várias entidades reconhecidas e sublinhado no presente documento, o turismo azul é altamente dependente da qualidade dos ecossistemas costeiros e marinhos.

Encontramo-nos assim perante um paradoxo: por um lado, aplaudimos o rendimento proveniente do turismo azul; por outro, condenamos os ecossistemas onde o mesmo se desenvolve.

Para que o turismo azul seja sustentável, torna-se fundamental proteger a saúde de todos os meios aquáticos, incluindo rios, lagos, mares e oceano.

Prevenir e combater a poluição marinha, em todas as suas formas, constitui uma prioridade absoluta.

Reconhecidamente, turismo azul inteligente e responsável, é aquele “que não mata a galinha”.

Um oceano saudável é fundamental para um turismo azul sustentável.


Autor: Álvaro Sardinha (2025)

Artigo elaborado no âmbito do projeto de avaliação, defendido na unidade curricular Waste Reduction and Management in Tourism Enterprises, da pós-graduação Sustainable Strategies for Tourism Hospitality, realizada pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL).

O projeto de avaliação original inclui referências para as fontes de informação. As mesmas foram propositadamente omitidas no presente texto.