Apesar de vivermos na década do oceano e em pleno século azul, persistem ainda muitas dúvidas sobre a definição, foco e amplitude da economia azul e da economia do mar. Partilhamos respostas para oito perguntas frequentes.
O texto apresentado resulta de um projeto colaborativo, liderado pela Revista Ambiente Magazine, focado no uso sustentável dos recursos aquáticos sem comprometer a saúde do oceano. Neste âmbito, a publicação identificou oito perguntas frequentes sobre economia azul e economia do mar. Álvaro Sardinha, diretor do Centro de Competência em Economia Azul, foi convidado a responder.
1 - O que é a economia azul e porque não nos devemos referir a ela como economia do mar?
Economia do mar
A economia do mar considera um conjunto de atividades económicas que se realizam no mar e de outras que, não se realizando no mar, dependem desse meio.
Este termo encontra-se atualmente obsoleto e em desuso de forma generalizada. O seu significado limitado e a sua visão desatualizada, revelam-se desenquadrados da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos em 2015 pela Nações Unidas. Revela-se igualmente desalinhado das diretrizes do Pacto Ecológico Europeu, estratégia de desenvolvimento lançada na União Europeia em 2019.
De facto, a economia do mar é um termo utilizado na velha economia ou economia clássica – centrada na exploração ilimitada dos recursos naturais e focada no crescimento económico medido pelo PIB. A economia do mar relega para plano secundário, a salvaguarda da biodiversidade, o equilíbrio da natureza e a saúde dos ecossistemas. De igual forma, despreza os impactos sociais e a própria sustentabilidade do planeta, assumindo os danos e prejuízos como efeitos colaterais toleráveis.
Economia azul
A economia azul diferencia-se da economia do mar, focando-se na utilização de todos os recursos aquáticos e na promoção do desenvolvimento económico e da prosperidade, sem comprometer a saúde e a sustentabilidade do oceano, do planeta e das pessoas.
A economia azul tem amplitude sistémica – abrange todos os espaços aquáticos, incluindo o oceano, mares, costas, lagos, rios e águas subterrâneas.
A economia azul é inclusiva e distribuída – as atividades económicas relacionadas com a economia azul podem ser realizadas em qualquer local, inclusive em regiões interiores de países com litoral, ou em países sem acesso ao mar.
A economia azul é sustentável – o conceito de economia azul ganhou proeminência em 2012, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro (Rio +20), estando totalmente enquadrada na Agenda 2030 das Nações Unidas.
Em conclusão, a economia azul diverge totalmente da economia do mar e da economia clássica:
- A economia clássica e a economia do mar colocam a natureza, as pessoas e as comunidades, ao serviço da economia;
- A economia azul é uma economia ao serviço da natureza, das pessoas e das comunidades.
2 - Que vantagens estão associadas a este modelo?
A economia azul é um veículo de excelência para o desenvolvimento sustentável e regenerativo – uma garantia de futuro, um engenho de prosperidade e de dignidade.
De acordo com o Relatório Brundtland, publicado em 1987, “Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades.“
De acordo com esta definição, o desenvolvimento sustentável significa muito mais que “fazer menos mal” – exige fazer bem; fazer o bem – agir de forma positiva para com o planeta e as comunidades, deixando como legado não uma dívida, antes uma generosa herança.
De facto, as atuais gerações não herdaram o planeta dos seus antepassados; na realidade pediram o planeta emprestado aos seus descendentes, havendo que o devolver – em excelentes condições.
A economia azul é assim muito mais que um modelo ou projeto – a economia azul é uma missão com propósito transformador e inspirador, fundamental para assegurar a continuidade da vida neste planeta.
3 - Quais os maiores desafios/problemas que a economia azul enfrenta atualmente?
O principal desafio que a economia azul enfrenta revela-se no posicionamento de muitos agentes tradicionais da economia clássica, que identificam as suas atividades como economia azul, quando na realidade seguem estratégias de business as usual – um fenómeno identificado e classificado como greenwashing ou bluewishing.
A inércia e a falta de ambição – por parte de entidades públicas e privadas – revelam-se também inibidores da economia azul. Demasiadas organizações esperam para ver, assumindo-se como seguidores, quando a economia azul exige visão, liderança e empreendedorismo.
Um desafio não menos importante, revela-se na ausência de reconhecimento do valor e do talento dos jovens – verdadeiros donos do planeta – negando-lhes um lugar na mesa das decisões. Adicionalmente, impera uma danosa cegueira institucional – a falta de capacidade para identificar a competência e a capacidade das pessoas – em fases embrionárias da sua vida e não apenas quando já “atravessaram desertos” para se afirmarem.
4 - Em Portugal, o que é que está a ser feito para otimizar este modelo?
A economia azul tem – felizmente – muitos casos de sucesso em Portugal. Existem vários exemplos de iniciativas empresariais bem sucedidas, baseadas em inovação e desenvolvimento sustentável.
Também a academia merece destaque positivo, pela vasta oferta de programas de ensino e de formação de qualidade, assim como pelas meritórias iniciativas de pesquisa e investigação azul.
Importa igualmente sublinhar o trabalho desenvolvido por um conjunto de personalidades de elevado valor e desempenho – líderes focados em servir com propósito – que inspiram pessoas e comunidades. A sua generosa entrega, contribui para a saudável maturidade do conceito de economia azul, afastando-a cada vez mais do conceito de economia do mar/economia clássica.
5 - Que exemplos/projetos europeus/internacionais poderemos seguir?
A economia azul oferece valor para as empresas e para as pessoas, existindo vários programas e iniciativas que apresentam soluções efetivas e pragmáticas, baseadas em conhecimento e liderança.
Em Portugal, entre várias outras, merecem destaque três iniciativas inovadoras:
- O Programa de Especialização e Liderança em Economia Azul (PLEA), uma iniciativa de capacitação de líderes em economia azul para organizações públicas e privadas, desenvolvida pelo Centro de Competência em Economia Azul.
- A Fundação Oceano Azul – organização de elevado mérito e reconhecimento – financia iniciativas de educação, conservação e capacitação, ao mesmo tempo que apoia e participa ativamente na ciência e investigação oceânica.
- A Feira de Emprego e Carreiras Azuis, realizada duas vezes por ano, promovendo soluções efetivas de economia azul distribuída para as pessoas.
A nível da União Europeia, merece destaque o EU Blue Economy Observatory, um portal com informação atualizada e conhecimento estratégico.
6 - Quais devem ser os próximos passos da economia azul em Portugal?
A economia azul em Portugal, assim como no resto do mundo, deve apostar no desenvolvimento de todas as atividades económicas que agrega, incluindo as tradicionais e as emergentes.
No entanto, o setor da energia renovável no oceano – energia eólica offshore – merece particular destaque, dada a urgência de resposta aos eventos extremos, provocados pelas emissões de gases de efeito de estufa e as consequentes alterações climáticas.
A transição energética – dos combustíveis fósseis, geradores de emissões – para energias verdes e limpas, é um imperativo e uma prioridade global. A energia verde permite descarbonizar os transportes, aquecer casas e edifícios, e reduzir a intensidade de carbono em materiais como o aço, o vidro, o plástico e o betão.
A produção de energias limpas e renováveis é fundamental para promover a transição energética e a descarbonização do planeta, libertando-nos da dependência dos poluentes combustíveis fósseis.
O investimento em projetos de energia eólica na costa nacional assume assim prioridade estratégica, revelando enorme potencial para desenvolver uma nova indústria no país, geradora de inovação, valor acrescentado, carreiras e emprego digno.
7 - Que tipo de incentivos deve dar o Governo à economia azul?
Para apoiar a economia azul, o Governo deve atribuir prioridade à publicação/atualização de legislação e regulamentação adequada e transparente – com celeridade, qualidade e pragmatismo – estimulando a iniciativa e o investimento privado, num ambiente com regras claras e riscos minimizados.
Deve igualmente promover a comunicação estratégica e a liderança eficaz, combatendo a burocracia e a complexidade processual. Para tal deve integrar e promover jovens qualificados, inquietos, curiosos e empreendedores, que estejam dispostos a mudar o que não funciona, ou que funciona de forma reconhecidamente deficiente.
8 - Como prevê que seja o futuro da economia azul face à conjuntura atual?
A economia azul tem um futuro pujante pela frente, assumindo-se como um modelo inspirador e motivador, de pessoas e de iniciativas sustentáveis e regeneradoras.
Constitui também um pilar unificador e integrador de todas as economias saudáveis – a economia verde, a economia laranja, a economia circular, a economia donut, e a economia de Francisco.
Em conclusão, a economia azul tem respostas e soluções pragmáticas e efetivas, para fazer frente aos desafios que o planeta e a sociedade atualmente enfrentam.