Os efeitos da atividade turística náutica na poluição do oceano e o rumo para o turismo azul

Os impactos do setor do turismo e viagens estão identificados, assim como os responsáveis pelos mesmos. Mais que turismo sustentável, é tempo de falar de turismo com propósito, inteligente, regenerativo, comunitário – em suma – turismo responsável.


O presente artigo, da autoria de Álvaro Sardinha – fundador e diretor do Centro de Competência em Economia Azul – foi publicado na edição n.º 12 da Revista ARGOS (Revista do Museu Marítimo de Ílhavo), apresentada publicamente no dia 11 de janeiro de 2025.

Nesta edição, a ARGOS convida à reflexão sobre a responsabilidade que cada indivíduo tem na proteção do oceano, cuja integridade é vital para a sobrevivência e o bem-estar da Humanidade. Preservar o oceano é garantir um legado indispensável para as gerações futuras.

Definições, factos e números

De acordo com o glossário da Organização Mundial do Turismo (UN Tourism) – a agência das Nações Unidas responsável pela promoção de um turismo responsável, sustentável e universalmente acessível – o turismo é um fenómeno social, cultural e económico, que implica a deslocação de pessoas para países ou locais fora do seu ambiente habitual, para fins pessoais incluindo lazer, ou para fins empresariais/ profissionais, incluindo negócios.

Estas pessoas são chamadas de visitantes e o turismo tem a ver com as suas atividades, algumas das quais envolvem despesas turísticas. Um visitante é classificado como turista se a sua viagem incluir pelo menos uma pernoita; ou como excursionista ou visitante do mesmo dia, caso tal não aconteça.

Números do turismo

Atualmente, o volume de negócios do turismo iguala ou até ultrapassa o das exportações de petróleo, produtos alimentares ou automóveis. O turismo tornou-se um dos principais atores no comércio internacional e representa, em simultâneo, uma das principais fontes de rendimento para muitos países em desenvolvimento.

Em 2019, antes da pandemia de COVID-19, o setor do turismo e viagens representava 10,4% do PIB global (US$ 10,3 triliões) e 10,5% de todos os empregos (334 milhões). Em 2023, este setor contribuiu com 9,1% para o PIB global; um aumento de 23,2% face a 2022 e apenas 4,1% abaixo do nível de 2019. As previsões apontam para um crescimento na contribuição do setor para o PIB global, representando 10% em 2024 e 11,4% em 2034.

Em termos comparativos, em 2023, a indústria automóvel global contribuiu cerca de 3% para o PIB global; a indústria do petróleo e gás contribuiu 3% (em 2021); em 2024, os produtos alimentares deverão representar cerca de 8,33% do PIB global (US$ 9,12 triliões).

Em Portugal e relativamente a 2023, o turismo representou 9,5% do PIB; 19,8% das exportações globais; 48,6% das exportações de serviços; e 6,2% do emprego total.

Impactos do turismo

O turismo, mais do que muitos outros setores, é altamente dependente da qualidade do ambiente. Porém, e em simultâneo, tem sobre ele determinante impacto. A pegada ambiental do setor do turismo e viagens não pode ser ignorada, revelando-se particularmente relevante em cinco áreas: emissões de gases com efeito de estufa, consumo de energia, consumo de água, poluição e extração de matérias-primas.

António Guterres, Secretário-Geral da ONU, sustenta que o turismo traz progresso. E acrescenta que, sendo um dos maiores setores da economia global, tem um grande poder para unir culturas, gerar novas oportunidades e promover o desenvolvimento sustentável. Efetivamente, o turismo pode desempenhar um papel fundamental na promoção do desenvolvimento económico, criando empregos, aumentando a coesão social e contribuindo para os interesses partilhados dos turistas, residentes e negócios.

Porém, os impactos podem muitas vezes ser desequilibrados do ponto de vista económico, social e ambiental, e os benefícios nem sempre, ou automaticamente, revertem para as comunidades locais. Alguns destinos apresentam já restrições de capacidade, que deverão limitar o crescimento futuro. Noutros destinos, a licença social para o turismo é cada vez mais desafiada, uma vez que o turismo excede limiares críticos e está a exercer pressão sobre as infraestruturas, o ambiente e as comunidades locais, bem como sobre outros sectores económicos e a experiência turística.

O reconhecimento da necessidade de o turismo fazer a transição – para modelos de desenvolvimento mais sustentáveis e resilientes – tem crescido nos últimos anos, procurando reduzir as externalidades negativas e distribuir maiores benefícios para os destinos e as comunidades locais. Porém, a maioria das estratégias continua a incluir metas para aumentar o número e as despesas de visitantes.

Olhando para o futuro a longo prazo, prevê-se que o turismo continue a crescer. Isto cria oportunidades significativas, mas também traz desafios renovados, reforçando a importância das políticas para apoiar um futuro resiliente, sustentável e inclusivo. Importa conhecer os dados positivos do desempenho económico do setor. Porém, o crescimento económico por si só não é suficiente – o planeta e as comunidades têm limites.

Capacidade de carga

O turismo deverá crescer, impulsionado por novos viajantes, destinos e tendências. Após a pandemia de COVID-19, as viagens tornaram-se uma prioridade máxima, especialmente para as gerações mais jovens. O número de visitantes e a frequência das suas viagens deverão aumentar. Porém, à medida que o turismo cresce rapidamente, os destinos mais visitados registam fluxos mais concentrados. Dados recentes, sugerem que 80% dos viajantes visitam apenas 10% dos destinos turísticos do mundo.

Compreender as capacidades dos destinos e determinar limiares críticos é cada vez mais importante, para gerir as compensações e as pressões que o turismo impõe às infraestruturas, ao ambiente e às comunidades de acolhimentos. Um grande fluxo de visitantes, se não for gerido cuidadosamente, pode sobrecarregar as infraestruturas, prejudicar as atrações naturais e culturais e frustrar tanto os habitantes locais como os visitantes. O atual cenário de viagens potenciadas pela tecnologia pode agravar esta situação: uma foto apelativa numa rede social pode tornar viral uma atração pouco conhecida, desafiando a capacidade de carga da sua localização.

A capacidade de carga de um destino refere-se ao número máximo de visitantes que este pode acomodar, sem causar danos ao seu ambiente físico, económico e sociocultural ou comprometer a qualidade das experiências dos visitantes. Quando um destino excede a sua capacidade de carga, os efeitos negativos do turismo podem superar os seus benefícios.

A capacidade de carga dos destinos não é um conceito novo. Porém, tem sido foco de uma atenção renovada, à medida que os destinos se debatem com os impactos da forte recuperação dos fluxos turísticos. Um estudo recente, sugere que a capacidade de carga é um conceito fluido, que não pode ser representado por um número específico e que os indicadores por si só podem não fornecer definições adequadas. Por esta razão, sugere que as orientações devem ser adaptáveis, à medida que surgem novos dados e as visualizações dos fluxos turísticos podem captar a imagem completa.


Atividade turística náutica

A correta interpretação da informação apresentada no presente artigo, carece da clarificação de terminologia apresentada – no título e no texto desenvolvido a partir deste. Em primeiro lugar, importa sublinhar que o turismo azul não representa uma avaliação de qualidade ou de sustentabilidade – antes um agrupamento de várias atividades económicas, relacionadas com o turismo em meios aquáticos ou a ele associados.

O turismo azul representa, assim, um conjunto de atividades turísticas náuticas, que se podem agrupar em três áreas: (1) a náutica de recreio ou turismo náutico; (2) o turismo costeiro ou turismo de praia e sol; e (3) o turismo marítimo ou turismo de cruzeiros. Esta classificação facilita a definição de cada uma das áreas e a identificação da respetiva cadeia de valor, como se apresenta de seguida.

Náutica de recreio

A náutica de recreio ou turismo náutico inclui a navegação de recreio com utilização de embarcações próprias ou alugadas; e a prática de desportos em meio aquático (por exemplo vela, surf, windsurf, canoagem e remo), em ambos os casos como experiências de lazer e de entretenimento. A náutica de recreio ou turismo náutico inclui também a náutica desportiva, cuja atividade principal se foca na competição e participação em provas desportivas, envolvendo recursos e necessidades específicas.

A náutica de recreio ou turismo náutico inclui ainda as atividades marítimo-turísticas (atividades de animação turística desenvolvidas mediante utilização de embarcações com fins lucrativos). As atividades marítimo-turísticas incluem os passeios marítimo-turísticos; o aluguer de embarcações com ou sem tripulação; os serviços efetuados por táxi fluvial ou marítimo; a pesca turística; e o aluguer ou utilização de motas de água e de pequenas embarcações dispensadas de registo; entre outras atividades.

A cadeia de valor da náutica de recreio ou turismo náutico, inclui os portos de recreio, marinas, instalações marítimas e clubes náuticos; a compra e venda de embarcações de recreio; o aluguer de embarcações e a realização de excursões marítimas para observação de espécies ou simplesmente lazer; as atividades relacionadas com desportos aquáticos, incluindo escolas de formação, instalações, venda de equipamentos, clubes desportivos; os serviços e suprimentos para embarcações de recreio, incluindo a venda de equipamentos, reparações e manutenção; e as atividades marítimo-turísticas em geral.

Turismo costeiro

O turismo costeiro ou turismo de praia e sol, inclui as atividades de hotelaria e similares localizadas no litoral; o alojamento turístico e outros alojamentos de curta estadia; o turismo de habitação e o alojamento local; a restauração e similares; os parques de campismo e parques para autocaravanas; e outros serviços oferecidos aos turistas.

O turismo costeiro ou turismo de praia e sol inclui ainda os serviços culturais dos ecossistemas, entendidos como os benefícios não materiais obtidos do meio ambiente, nomeadamente ao nível espiritual, recreativo, estético ou educativo. Incluem-se aqui os passeios à beira-mar, as atividades de contemplação e de descanso, entre outras.

A cadeia de valor do turismo costeiro ou turismo de praia e sol é vasta e inclui, além das atividades citadas, a promoção imobiliária dos alojamentos turísticos; as agências de viagem; os operadores turísticos; os transportes; e as atividades culturais e de lazer associadas.

Turismo marítimo

O turismo marítimo ou turismo de cruzeiros, inclui o transporte de passageiros a bordo de embarcações de cruzeiros – marítimos ou fluviais. Inclui ainda as atividades relacionadas e associadas a serviços e infraestruturas terrestres.

A cadeia de valor do turismo marítimo ou turismo de cruzeiros, inclui a oferta de gastronomia e de comércio aos cruzeiristas; os transportes e excursões, incluindo serviços de táxi, serviços de transporte público e privado, serviços de agências de viagens e outras organizações; os serviços técnicos especializados aos navios; a gestão portuária, incluindo pilotos da barra, reboques, taxas portuárias e outros serviços; e os agentes de navegação e outros prestadores de serviços aos navios e companhias de cruzeiros, nomeadamente abastecimento de combustíveis e provisões.

Desafios para o turismo azul

O turismo azul representa, pelo menos, 50% do valor total do turismo global. Constitui o maior setor económico para a maioria dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento e para muitos Estados costeiros. Em Portugal, mais de 54% da população reside até 10 km da costa.

As regiões costeiras enfrentam assim desafios impactantes, provocados pelo incremento do número de visitantes e pelo aumento crescente da população global, com tendência para se fixar nas zonas litorais. Este crescimento contínuo causa pressão sobre as infraestruturas, o ambiente, as comunidades locais, os recursos marinhos, outros setores económicos e a sociedade em geral. Se o crescimento não for planeado e gerido, pode levar a impactos significativos em locais culturais, património, paisagens, biodiversidade, espaços públicos e ambientes sensíveis, bem como na vida quotidiana dos residentes.

A solução passa pela implementação de soluções de turismo responsável, inteligente e sustentável, alicerçadas num oceano saudável e em ecossistemas aquáticos vibrantes, gerando em simultâneo valor acrescentado e emprego nas comunidades.


Poluição dos meios aquáticos

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), estabelece que a poluição do meio marinho “significa a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesma provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde do homem, entrave às atividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização e deterioração dos locais de recreio”. Sem erro, podemos concluir que a definição apresentada se estende a todos os meios aquáticos, incluindo rios e lagos.

Importa ainda sublinhar, que a introdução de energia nos meios aquáticos, por exemplo através do aquecimento da água em consequência das emissões de gases de efeito de estufa, é também uma forma de poluição. Analisar os efeitos da atividade turística náutica (turismo azul) na poluição do oceano, exige assim a análise da sua responsabilidade na produção de poluição atmosférica e de poluição por detritos (lixo), com particular destaque para o plástico.

Crise climática e poluição atmosférica

As alterações climáticas, relacionadas com o crescente nível de concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera (GEE), são uma das maiores ameaças para o planeta e para a vida. Os seus efeitos manifestam-se em fenómenos meteorológicos extremos, aquecimento global, acidificação do oceano, perda de biodiversidade, entre outros fenómenos negativos.

A crise climática ameaça não só os recursos vitais, mas também a sobrevivência de alguns dos destinos turísticos mais apreciados do planeta – o setor do turismo e viagens encontra-se profundamente dependente da natureza. Entre 2010 e 2019, as emissões de GEE do setor do turismo e viagens aumentaram a uma taxa média anual de 2,5%, atingindo 4131 mil milhões de kg de CO2e em 2019. O valor indicado inclui as emissões diretas do turismo (incluindo voos de turistas internacionais), bem como as emissões produzidas pelos seus fornecedores ao longo da cadeia de valor. Este volume de emissões de GEE representou cerca de 8,1% das emissões globais em 2019, com variações entre regiões, de 10,9% na Europa a 6,6% em África.

Em termos de emissões de GEE do setor do turismo e viagens, diferenciadas por áreas de atividade (antes da pandemia de COVID-19), os vários meios de transporte ocuparam o lugar de liderança, sendo responsáveis por 48% das emissões. Seguiram-se as vendas de retalho (12%) e a alimentação e bebidas com 9% das emissões.

Além das emissões de GEE, as atividades do setor do turismo e viagens geram poluentes atmosféricos, que têm consequências para a saúde e para o ambiente, nomeadamente o monóxido de carbono, óxidos de azoto, partículas de materiais inaláveis e produtos químicos orgânicos voláteis excluindo metano. Entre 2010 e 2019, a produção de poluição atmosférica proveniente do setor aumentou, exceto nas emissões de monóxido de carbono, refletindo, em grande parte, as melhorias na eficiência do motor ao longo da década.

Poluição por detritos

A maior parte da poluição marinha tem origem em terra. Os resíduos sólidos (lixo, incluindo plástico) e os escoamentos municipais, industriais e agrícolas, são responsáveis por até 80% de toda a poluição marinha.

O setor do turismo depende fortemente de recursos costeiros e oceânicos saudáveis, bem como da qualidade estética do ambiente. A poluição marinha reduz o valor dos bens e serviços oferecidos pelos meios aquáticos, que são altamente valorizados pelo setor do turismo. As regiões costeiras são mais sensíveis à poluição marinha, dado que as suas comunidades dependem dos recursos naturais, particularmente nos Estados insulares.

Um estudo patrocinado pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), para melhor compreender a relação entre a economia do turismo costeiro e a poluição, revelou que duplicar a quantidade de detritos nas praias das zonas costeiras analisadas, implicaria diminuir o número de dias que os visitantes passam nessas praias, com impacto direto nas receitas e contribuindo para a diminuição dos empregos locais.

Sendo uma indústria propensa ao consumo excessivo, o turismo produz consequentemente uma quantidade substancial de resíduos e de poluição por detritos, incluindo o plástico. Em alguns locais, os turistas produzem até ao dobro dos resíduos , comparando com os residentes locais. De facto, o turismo baseado na deslocação e permanência temporária de pessoas, para destinos fora dos locais onde normalmente vivem, leva ao consumo excessivo, nomeadamente de artigos plásticos de utilização única.

Esta situação pode colocar uma pressão extrema sobre os sistemas locais de gestão de resíduos, provocando sobrecargas em aterros sanitários e nas estações de tratamento de águas residuais. Adicionalmente, os resíduos e a poluição por lixo têm impactos de longo alcance no ambiente, na vida selvagem, nos visitantes e nas comunidades:

- Praias: o lixo ao longo da costa transforma as praias em destinos menos apetecíveis, além de poder ser arrastado para o mar;

- Oceano e recifes: os detritos oceânicos e os esgotos não tratados, representam uma séria ameaça para os animais marinhos que podem ficar presos, ingerir os mesmos, adoecer ou morrer;

- Bem-estar da comunidade: a poluição pode ter efeitos graves para a saúde e diminuir a qualidade de vida dos residentes locais;

- Valor estético: o lixo deixado nas praias, parques e ao longo dos trilhos, prejudica a beleza natural das zonas de atração turística e os serviços culturais dos ecossistemas;

- Água doce: a água doce contaminada pode causar problemas de saúde, escassez de água potável, envenenar a vida selvagem e prejudicar o equilíbrio dos ecossistemas.

A gravidade da poluição da água é ainda exacerbada pelo efeito cumulativo de múltiplos fatores de stress, enfatizando a interligação de várias atividades relacionadas com o turismo e o seu impacto coletivo na qualidade da água.

Poluição por plástico

A poluição marinha por plástico, constitui um enorme flagelo e uma ameaça global para o planeta em geral e para os meios aquáticos em particular. Os plásticos são utilizados em múltiplas formas, sustentando a contribuindo positivamente para a sociedade. Porém, a forma como são produzidos, utilizados e eliminados, está a poluir os ecossistemas, a criar riscos para a saúde humana e animal e a destabilizar o clima.

Em 2022 foram produzidas 430 milhões de toneladas de plásticos, das quais mais de dois terços são produtos de vida curta, que rapidamente se tornam resíduos. A produção de plásticos deverá triplicar até 2060 se o “business as usual” se mantiver. Estima-se que 19 a 23 milhões de toneladas de plástico atinjam anualmente os ecossistemas aquáticos – lagos, rios, mares e oceano – a partir de fontes terrestres. Este número aumenta com as contribuições de fontes marítimas, incluindo as atividades de pesca, transporte marítimo e turismo. A combinação destas duas contribuições de poluição por plástico, tem enorme impacto nos ecossistemas, na economia e na sociedade – incluindo na saúde humana.

Um estudo elaborado em parceria pela Agência Europeia do Ambiente e pela Agência Europeia de Segurança Marítima, revela em detalhe os números do plástico que chegou ao ambiente marinho, o qual atingiu 13,5 milhões de toneladas em 2015. Este valor total repartiu-se pelos seguintes tipos e origens: 3,7% de zonas terrestres interiores; 74,2% de regiões costeiras; 14,3% de atividades marítimas (2/3 pelas atividades de pesca; 1/3 pelo transporte marítimo); e 7,8% na forma de microplásticos provenientes de várias origens.

Sem surpresa, o turismo é um grande contribuinte para a crise global da poluição por plástico. Esta é uma indústria enorme: entre 1980 e 2019, as chegadas de viagens globais aumentaram de 177 milhões para quase 1,5 mil milhões por ano. A ligação entre o plástico e o turismo não é uma coincidência. Os produtos de plástico descartáveis são uma forma eficiente e barata de cumprir as normas de saúde, segurança e higiene, garantindo, em simultâneo, experiências de férias sem preocupações. A situação é particularmente grave nos destinos do turismo azul, que representam uma enorme parte das visitas e da poluição gerada, dado que oito em cada 10 turistas visitam zonas costeiras.


Rumo para um turismo azul

Face aos dados e informação apresentada, tornam-se evidentes os múltiplos sinais que alertam para a evolução insustentável do turismo, em alguns destinos de elevada atração. O turismo azul tem particular responsabilidade neste fenómeno, pelo que as regiões costeiras devem assumir a liderança na alteração dos modelos de desenvolvimento tradicionais, baseados na quantidade de viajantes e no volume das suas despesas.

Estão – desde há muito – identificados caminhos seguros para que o turismo represente desenvolvimento e distribuição de resultados nas comunidades, regenerando em simultâneo a natureza e os ecossistemas.

Turismo sustentável

O conceito de turismo sustentável é relativamente antigo, tendo ganho especial protagonismo na atualidade. Um relatório publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente e pela Organização Mundial do Turismo, definiu o turismo sustentável como “o turismo que tem plenamente em conta os seus impactos económicos, sociais e ambientais atuais e futuros, respondendo às necessidades dos visitantes, da indústria, do ambiente e das comunidades anfitriãs”.

O referido documento apresentou igualmente uma agenda para o turismo sustentável, baseada em doze objetivos:

- Viabilidade económica: garantir a viabilidade e a competitividade dos destinos e empresas turísticas, para que possam prosperar e proporcionar benefícios a longo prazo;

- Prosperidade local: maximizar a contribuição do turismo para a prosperidade económica do destino, incluindo a proporção dos gastos dos visitantes que são retidos localmente;

- Qualidade do emprego: reforçar o número e a qualidade dos empregos locais criados e apoiados pelo turismo, incluindo o nível de remuneração e as condições de serviço;

- Equidade social: procurar uma distribuição ampla e justa dos benefícios económicos e sociais do turismo, em toda a comunidade beneficiária;

- Atenção ao visitante: proporcionar uma experiência segura, satisfatória e gratificante aos visitantes, disponível para todos, sem discriminação;

- Controlo local: envolver e capacitar as comunidades locais no planeamento e na tomada de decisões, sobre a gestão e o desenvolvimento futuro do turismo na sua área;

- Bem-estar da comunidade: manter e reforçar a qualidade de vida nas comunidades locais, incluindo as estruturas sociais e o acesso a recursos;

- Riqueza cultural: respeitar e valorizar o património histórico, a cultura autêntica, as tradições e a distinção das comunidades de acolhimento;

- Integridade física: manter e melhorar a qualidade das paisagens, tanto urbanas como rurais, e evitar a degradação física e visual do ambiente;

- Diversidade biológica: apoiar a conservação das áreas naturais, habitats e vida selvagem e minimizar os danos que lhes são causados;

- Eficiência dos recursos: minimizar a utilização de recursos escassos e não renováveis, no desenvolvimento e operação de equipamentos e serviços turísticos; e

- Poluição ambiental: minimizar a poluição do ar, da água e do solo, e a geração de resíduos por empreendimentos turísticos e visitantes.

Quase duas décadas depois, um relatório publicado pelo Fórum Económico Mundial, referencia que a natureza enfrenta vários riscos, onde se destacam a perda de biodiversidade e o colapso de ecossistemas; as alterações críticas nos sistemas do planeta; os eventos meteorológicos extremos relacionados com o clima; a escassez de recursos naturais; os desastres naturais não relacionados com o clima; e a poluição.

O documento sublinha, que estes riscos representam igualmente perigos claros para os recursos naturais geradores de turismo, para as infraestruturas do setor e para as experiências dos visitantes. Reconhece, igualmente, que o setor do turismo e viagens não só é diretamente influenciado pelos crescentes riscos ambientais, como também contribui substancialmente para os mesmos. Conclui, pelas razões apresentadas, que o setor do turismo e viagens pode e deve mitigar as suas contribuições para as alterações climáticas e a poluição, promovendo a transição para atividades mais sustentáveis e ambientalmente conscientes.

Entre outras áreas, o relatório recomenda o investimento na sustentabilidade e literacia ambiental, com foco em três linhas de ação: (1) proporcionar maior valor aos esforços de conservação da natureza; (2) liderar a transição energética; e (3) dinamizar o consumo responsável. Estas linhas de ação merecem destaque pela sua relevância e atualidade.

Conservação da natureza

A dependência de muitos destinos dos recursos naturais para o desenvolvimento do turismo, constitui um forte incentivo para proteger o ambiente, criando valor económico para os esforços de preservação. Os destinos turísticos devem priorizar a conservação da natureza, utilizando um modelo regenerativo que envolva as partes interessadas, como os gestores de destinos, os operadores turísticos, as empresas locais e os visitantes. Os princípios de conservação, restauro e regeneração, tendo em conta a capacidade de carga do destino, são cruciais.

Financiar a gestão de áreas protegidas, promover a educação dos visitantes e reforçar a ligação entre a vida selvagem, a conservação e os meios de subsistência locais – são absolutas prioridades. O envolvimento das partes interessadas garante uma partilha justa dos benefícios, com planos de negócio ligados aos resultados de conservação. As entidades governativas devem integrar a natureza no planeamento, desenvolver programas de financiamento, promover o ecoturismo, estabelecer estratégias de gestão de visitantes e garantir que as concessões turísticas estão alinhadas com as políticas de proteção.

Transição energética

Nos últimos anos, as contribuições substanciais do setor do turismo e viagens para as alterações climáticas, sob a forma de emissões de GEE, têm atraído cada vez mais atenção e suscitado preocupações. O setor depende dos transportes, especialmente das viagens aéreas, que são um modo de viagem altamente intensivo em energia e em emissões que não pode ser totalmente substituído, emitindo GEE substanciais. Os combustíveis de aviação sustentáveis (SAF) podem oferecer uma solução potencial para reduzir as emissões da aviação.

Adicionalmente, em vez de se concentrar apenas nas emissões diretas das atividades de turismo e viagens, o setor deve ter em conta as emissões produzidas nas respetivas cadeias de valor (emissões âmbito 2 e âmbito 3), para garantir que todas as emissões são medidas e que são tomadas as medidas adequadas para as reduzir. Um caminho importante para a redução das emissões poderá estar relacionado com a redução dos resíduos, em particular o desperdício alimentar, tendo em conta as elevadas taxas de emissões provenientes das atividades de produção de alimentos.

Consumo responsável

O aumento do número de turistas coloca pressão sobre os recursos locais, o abastecimento de água e os sistemas de gestão de resíduos, agravando a degradação ambiental. Por exemplo, em 2019 o setor de turismo e viagens foi responsável por 5,8% da utilização global de água e por 5-8% da extração global de materiais.

Apesar da crescente consciência dos governos e dos turistas, sobre os impactos ambientais com origem no comportamento dos visitantes, o consumo responsável de recursos no setor de turismo e viagens ainda está atrasado. Tanto o consumo dos turistas como a gestão dos recursos do setor, precisam mudar para resolver este problema. Incentivar alterações no comportamento dos turistas, promovendo formas de consumo mais ecológicas, pode ajudar a enfrentar este desafio.

Colmatar o fosso entre as atitudes positivas das pessoas em relação ao consumo sustentável e o seu comportamento insustentável, muitas vezes desalinhado, é um dos principais desafios para o sector do turismo e viagens.


Conclusão

Em conclusão e sem qualquer dúvida, os impactos do setor do turismo e viagens estão identificados, assim como os responsáveis pelos mesmos. O diagnóstico é claro e objetivo. Falta apenas aplicar a “medicina prescrita” de forma pragmática e equitativa, sem esquecer, como referido previamente, que:

O crescimento económico por si só não é suficiente – o planeta e as comunidades têm limites.

Mais que turismo sustentável, é tempo de falar de turismo com propósito, inteligente, regenerativo, comunitário – em suma – turismo responsável.

Como muito bem afirmou Harold Goodwin, diretor da Responsible Tourism Partnership,

“A sustentabilidade é uma aspiração. Só será concretizada se e quando assumirmos a responsabilidade de tornar o turismo sustentável. A responsabilidade impulsiona a sustentabilidade.

Turismo responsável significa criar lugares melhores para as pessoas viverem e lugares melhores para as pessoas visitarem.”


Autor: Álvaro Sardinha (2024)

Artigo publicado na Revista Argos, edição n.º 12 - novembro 2024
(O artigo original inclui referências para as fontes de informação. As mesmas foram propositadamente omitidas no presente texto.)

Sublinhando a pertinência da Década das Nações Unidas da Ciências dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2023), a edição n.º 12 da Revista ARGOS, co-coordenada por Luís Menezes Pinheiro, Presidente do Comité Português para a COI/UNESCO, está subordinada ao tema “Portugal e a Década dos Oceanos”.

A presente edição da Argos procura evidenciar o papel inovador que Portugal desempenha neste contexto, promovendo uma relação sustentável com o mar. Desde os impactos devastadores da acidificação dos oceanos sobre a biodiversidade até à crescente ameaça representada pelos microplásticos, os contributos de reconhecidos investigadores destacam um esforço colaborativo e interdisciplinar.

Mais do que identificar os desafios urgentes, esta edição oferece uma análise detalhada das estratégias e soluções em curso. Enfatiza também a importância da cooperação entre instituições, comunidades e nações, sublinhando o papel central destas parcerias na preservação do oceano.

A Argos convida, assim, à reflexão sobre a responsabilidade que cada indivíduo tem na proteção do oceano, cuja integridade é vital para a sobrevivência e o bem-estar da Humanidade.

Preservar o oceano é garantir um legado indispensável para as gerações futuras.