Dessalinização – atividade emergente da economia azul – oportunidades e desafios

A dessalinização é atualmente considerada uma atividade emergente da economia azul, em paralelo com a biotecnologia azul e as energias renováveis oceânicas. A possibilidade de produzir água doce a partir de água do mar, água salobra ou águas residuais – processo conhecido como dessalinização – constitui uma das possíveis ações para enfrentar o desafio da escassez de água e da (in)segurança hídrica.


O presente artigo, da autoria de Álvaro Sardinha – fundador e diretor do Centro de Competência em Economia Azul (C2EA) – foi elaborado em março 2025, no âmbito do projeto de avaliação defendido na unidade curricular Tourism and Sustainable Water Use Supply, Demand, and Security, da pós-graduação Sustainable Strategies for Tourism Hospitality, realizada pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL).

Os conteúdos apresentados são também enquadrados e desenvolvidos, nos vários módulos do Programa de Liderança e Especialização em Economia Azul (PLEA), realizado pelo C2EA.

1. INTRODUÇÃO

A água é parte fundamental em todos os aspetos da vida.

A água está indissociavelmente ligada aos quatro pilares do desenvolvimento sustentável (ambiental, social, cultural e económico), apresentando estreitas ligações com o clima, a energia, as cidades, o ambiente, a segurança alimentar, a pobreza, a saúde, entre outros temas.

A água é essencial para a sustentabilidade e o progresso da sociedade humana. A produção de alimentos, a geração de eletricidade, a saúde, o turismo e a indústria, entre outras atividades, dependem de água.

Porém, as populações estão a crescer, a agricultura e a indústria estão a consumir mais água, a poluição aumenta em todas as suas formas, e os efeitos das alterações climáticas estão a agravar-se.

De acordo com a declaração de visão da última Conferência da ONU sobre a Água, realizada em 2023, um quarto da população mundial – 2 mil milhões de pessoas – utilizavam fontes de água potável não seguras. Metade da humanidade – 3,6 mil milhões de pessoas – vivia sem saneamento gerido de forma segura. E uma em cada três pessoas – 2,3 mil milhões – não tinha instalações básicas para lavar as mãos em casa. Mais de 80% das águas residuais foram libertadas para o ambiente sem serem tratadas ou reutilizadas.

1.1 Segurança hídrica

Vivemos na época da tripla ameaça planetária: (1) alterações climáticas; (2) poluição; e (3) perda de biodiversidade. Na realidade, a situação é ainda mais grave – a ameaça é quádrupla, se consideramos a relevância da segurança hídrica e a emergência da crise global de água.

A segurança hídrica (water security) constitui um gigante desafio em todo o mundo, exigindo um diferenciado conjunto de respostas e o envolvimento de governos e comunidades. A segurança hídrica abrange quatro riscos ou questões críticas (OECD, 2013): a escassez de água (incluindo secas); o excesso de água (incluindo inundações); a poluição da água (qualidade inadequada impossibilitando a utilização); e a perda de resiliência dos sistemas de água doce (rios, lagos, aquíferos).

A correta governação da água é particularmente relevante, numa altura em que megatendências como o crescimento populacional global, a rápida urbanização e as alterações climáticas – estão a expor cada vez mais cidades, regiões e bacias – aos riscos de água "demasiada - too much", "de menos - too little", "muito poluída - too polluted" e "de baixa qualidade ou falta de acesso a água potável e saneamento" (OECD, 2024).

Quádrupla ameaça planetária: (1) alterações climáticas, (2) poluição e (3) perda de biodiversidade; (4) segurança hídrica e emergência da crise global de água.


1.2 Escassez de água

O consumo crescente de água pelos diferentes usos, incluindo o abastecimento público, a produção agrícola e pecuária, a indústria e os usos recreativos, entre outros, tem vindo a impor uma pressão crescente sobre os recursos hídricos globais. Em determinadas regiões do planeta, esta pressão tende a agravar-se com os efeitos das alterações climáticas, que incluem o aumento de situações de seca prolongada.

A distribuição da água doce no mundo é desigual e muitos países enfrentam sérios problemas com a carência de água potável (escassez de água). De acordo com o World Atlas of Desertification (JRC, 2019), cerca de 44% das maiores cidades do mundo (com população superior a 300 000 pessoas em 2015), enfrentaram stress hídrico elevado, uma proporção que deverá ultrapassar os 50% até 2040, devido à crescente urbanização, degradação dos solos e alterações climáticas.

O aquecimento global deverá tornar os eventos “day zero” mais comuns nas cidades, as quais albergavam 55% da população humana mundial em 2021, com tendência para o aumento desta percentagem. O abastecimento de água urbano está ameaçado pelo aumento do stress térmico (heat stress) e pela escassez de água (water scarcity). Os riscos para a sustentabilidade das cidades incluem alterações no ciclo hidrológico global e défices hídricos nas zonas rurais, que levam os trabalhadores agrícolas para as zonas urbanas. Face ao exposto, é evidente que vale a pena investir em água. Os choques hídricos são dispendiosos – uma seca pode reduzir o crescimento económico de uma cidade até 12% (Zaveri et al., 2021).

De acordo com o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (UNESCO, 2021), o uso global de água doce aumentou seis vezes nos últimos cem anos e, desde a década de 1980, continua a crescer a uma taxa de cerca de 1% ao ano. Muito desse crescimento pode ser atribuído a uma combinação de crescimento populacional, desenvolvimento económico e mudanças nos padrões de consumo.

Atualmente, a agricultura é responsável por 69% das retiradas de água em âmbito mundial, que é usada principalmente para irrigação, mas também inclui a água para rebanhos bovinos e aquicultura. Essa proporção pode chegar a 95% em alguns países em desenvolvimento. A indústria – incluindo o uso e a geração de energia – é responsável por 19% do uso, enquanto os municípios são responsáveis pelos 12% restantes.

Estimativas recentes, acessíveis na plataforma AQUASTAT da FAO, fundamentam os dados apresentados.

Escassez de água, um dos riscos da segurança hídrica.


2. OBJETIVOS

O capítulo anterior caracterizou a importância da água para a vida no planeta e, em simultâneo, descreveu as desigualdades no acesso à mesma e as razões para a sua escassez. Foram igualmente identificados os usos e quantificados os respetivos consumos de água.

Conhecidos os desafios, é objetivo deste documento identificar possíveis soluções.

Sabemos que a escassez de água é geralmente resolvida através de engenharia e infraestruturas. Barragens e reservatórios são comummente utilizados, para armazenar água durante períodos de excesso de disponibilidade, com o objetivo de fornecer água continuamente. Para as regiões onde os recursos hídricos locais não conseguem satisfazer a procura, a transferência de água entre bacias pode também ser uma solução eficaz. As centrais de dessalinização são, também, cada vez mais utilizadas, para resolver problemas de défice hídrico nas cidades costeiras e também em regiões interiores.

No entanto, o investimento em infraestruturas hídricas é dispendioso; requer recursos humanos, energéticos e materiais substanciais; é limitado por condições naturais, como a localização geográfica e a topografia; e pode ter impactes ambientais muito significativos (He, Chunyang et al., 2021).

De todas as soluções apresentadas, pretende-se caracterizar o processo de dessalinização, identificando as suas vantagens e desafios – económicos, sociais e ambientais – para a produção de água potável para múltiplos usos.

Cerca de 71% da superfície terrestre é coberta por água. Porém, apenas cerca de 2,5% dessa água é doce e apenas 0,3% se encontra à superfície de lagos, rios e zonas húmidas.


3. RESULTADOS DA PESQUISA

Cerca de 71% da superfície terrestre é coberta por água. Porém, apenas cerca de 2,5% dessa água é doce e apenas 0,3% se encontra à superfície de lagos, rios e zonas húmidas. Mais de 68% da água doce da Terra encontra-se nas calotas polares e nos glaciares, e pouco mais de 30% encontra-se nas águas subterrâneas. Adicionalmente, uma parte considerável da água superficial e subterrânea encontra-se contaminada por poluição ou por salinidade, sendo necessária a aplicação de processos de tratamento e de produção de água potável.

3.1 Dessalinização

A possibilidade de produzir água doce a partir de água do mar, água salobra ou águas residuais – processo conhecido como dessalinização – constitui uma das possíveis ações para enfrentar o desafio da escassez de água.

A dessalinização permite a remoção de substâncias inorgânicas dissolvidas (sais e outros minerais), através de diferentes tecnologias e métodos para reduzir os níveis de salinidade na água, que se podem agrupar em processos térmicos e processos de membrana. Os processos térmicos utilizam o calor para evaporar a água e para promover a sua condensação posterior. Nos processos de membranas destaca-se a osmose inversa (Reverse Osmosis RO), que consiste na filtragem da água a alta pressão, através de membranas que retêm os sais. Importa referir que a primeira central dessalinização por osmose inversa foi inaugurada em 1965, nos Estados Unidos . A tecnologia de osmose inversa é o sistema de dessalinização mais abrangente e avançado, utilizado em mais de 60% das instalações em todo o mundo.

A água dessalinizada produzida em centrais de grande capacidade – localizadas em regiões costeiras ou em regiões interiores – tem múltiplas utilizações: abastecimento público, indústria, centrais elétricas; irrigação, entre outras. Existem também milhares de unidades de produção, instaladas dentro das próprias unidades industriais, produzindo água com requisitos específicos de pureza para utilização nos seus processos de fabrico. Também as plataformas offshore e os navios, dispõem de instalações de dessalinização para produção de água potável.

A dessalinização é atualmente considerada uma atividade emergente da economia azul, em paralelo com a biotecnologia azul e as energias renováveis oceânicas (DG MARE, 2024).

As Nações Unidas reconhecem que os recursos hídricos não convencionais, como os que resultam da dessalinização, são essenciais para apoiar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 – garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento para todos .

A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 (DGPM, 2021) preconiza facilitar o acesso a água potável no Objetivo Estratégico OE5, apontando como meta a duplicação do número de unidades de dessalinização para o fornecimento de água a nível nacional.

Configuração de uma central de dessalinização de água do mar.


Interior de uma central de dessalinização com tecnologia de osmose inversa.


3.1.1 Capacidade global

A capacidade instalada global para a produção de água dessalinizada aumentou significativamente nos últimos anos. Estudos recentes estimam que existiam mais de 21 000 centrais de dessalinização de água do mar em 2022, com uma produção global de 99 milhões de m3/dia de água dessalinizada. Porém, também com a produção de mais de 150 milhões de m3/dia de concentrado de salmoura (brine).

Atualmente, a dessalinização é amplamente utilizada no Médio Oriente e Norte de África (região MENA) – representando 70% da capacidade global. A Europa regista cerca de 10% da capacidade global de produção de água dessalinizada. De acordo com dados recentes (DG MARE, 2024), existem cerca de 2 178 centrais de dessalinização instaladas na UE (Espanha 41%, Grécia 19%, Itália 18%, Alemanha 4% e França 3%), verificando-se a tendência para o aumento deste número.

As instalações referidas produzem 6,86 milhões de m3/dia de água doce, sendo 71% utilizada para abastecimento público; 17% em aplicações industriais; 4% em centrais elétricas; e 8% em irrigação.


Plataforma EMODnet - localização de estações de dessalinização na Europa.


3.1.2 Questões ambientais

A dessalinização aumenta o acesso a água potável segura e limpa, porém o processo consome muita energia e é dispendioso, apresentando ainda impactes ambientais negativos.

Energia e pegada de carbono

O processo de extração de sal da água do mar requer grandes quantidades de energia, a qual tem origem preponderante em combustíveis fósseis, contribuindo para as emissões de gases com efeito de estufa e para as alterações climáticas. A energia é necessária não só na etapa de separação em si, mas também no bombeamento de água, pré e pós-tratamento, bombeamento de eliminação de salmoura, etc. A pegada de carbono do setor pode ser particularmente elevada – as emissões da dessalinização da água do mar por osmose inversa, foi calculada entre 0,4 e 6,7 quilogramas de CO2 equivalente por metro cúbico (kg CO2eq/m3) (DG MARE, 2024).

Captação de água

As operações de captação de água do mar para centrais de dessalinização, podem ter consequências graves para os organismos marinhos. Tal como qualquer outra fonte natural de água superficial, atualmente utilizada para o abastecimento de água doce, a água do mar contém organismos aquáticos (algas, plâncton, peixes, bactérias, etc.). Devido à força da corrente da água captada, alguns organismos aquáticos adultos – suficientemente grandes para não passarem na malha das telas de entrada (peixes, caranguejos, etc.) – podem ficar presos a estas, numa situação definida como impingement (impacto). No caso de organismos marinhos de pequenas dimensões (microalgas, plâncton, bactérias, etc.) pode verificar-se a situação de entrainment (arrastamento), em que estes são atraídos para o sistema de entrada e passam pela malha das telas de entrada, acedendo às instalações de tratamento.

Gestão de resíduos

A dessalinização apresenta impactes ambientais consideráveis, associados à gestão da salmoura residual do processo (brine), a qual contém elevados níveis de sais minerais e de produtos químicos, utilizados durante a fase de pré-tratamento da água. Na maioria dos processos de dessalinização, são produzidos aproximadamente 1,5 litros de salmoura como resíduo, por cada litro de água doce produzida. A descarga desta salmoura no oceano pode perturbar o equilíbrio da salinidade, afetando a flora e a fauna marinhas. Como a salmoura é mais pesada do que a água do mar normal, acumula-se no fundo (DG MARE, 2024). Se a salmoura não for diluída e dispersa adequadamente, pode formar-se uma densa pluma que pode degradar os ecossistemas costeiros e marinhos. O aumento da salinidade e da temperatura pode provocar uma diminuição do teor de oxigénio dissolvido e contribuir para a formação de “zonas mortas”.

3.1.3 Custos de capital e financiamento

Regra geral, os custos totais anuais de centrais de dessalinização são divididos em três partes, aproximadamente idênticas: recuperação do capital investido, custos de energia e outros custos operacionais. O preço médio da água do mar dessalinizada por osmose inversa no Mar Mediterrâneo, foi estimado entre 0,65 €/m3 e 0,86 €/m3 (DG MARE, 2024).

De acordo com a plataforma AQUATECH , os custos de dessalinização consistem em vários fatores: custos fixos (37%), mão-de-obra (4%), manutenção e peças (7%), substituição de membranas (5%), consumíveis (3%) e eletricidade (44%). A mesma plataforma partilha que, embora historicamente considerada mais cara do que o tratamento tradicional de águas superficiais ou subterrâneas, a dessalinização registou uma grande evolução recentemente – custando aproximadamente 0,92 €/m3. Os preços da dessalinização, em concursos recentes em Abu Dhabi, Arábia Saudita e Israel, caíram abaixo dos 0,46 €/m3 pela primeira vez.

Central de dessalinização Ras Al Khair, Arábia Saudita: 1 036 000 m3/dia. Início de operação em 2014. Investimento superior a 7 mil milhões de euros.


4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise da informação partilhada, não deixa dúvidas: a segurança hídrica é ameaçada por múltiplos fatores, que se relacionam e conjugam, conduzindo ao incremento do número de eventos extremos e à ampliação dos seus efeitos.

A escassez de água – embora de forma desigual nas várias regiões – afeta o planeta e toda a sociedade de forma abrangente, sendo inclusive responsável pela deslocação de pessoas. Vivemos de facto, uma crise global de água.

Entre outras linhas de ação possíveis, o desenvolvimento de novas tecnologias surge como um dos caminhos a seguir, para a adaptação às alterações e para a mitigação das suas causas. A tecnologia de dessalinização enquadra-se como uma destas soluções. Porém, não devemos ter ilusões. A dessalinização, tal como outras tecnologias, tem impactes graves no ambiente e nos ecossistemas. Alguns deles ainda não foram sequer identificados; outros são difíceis de analisar e quantificar – os textos de múltiplas fontes revelam esta fragilidade.

4.1. Taxonomia Verde

O Regulamento Taxonomia Verde da União Europeia (Regulamento (UE) 2020/852, relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável), classifica a atividade da dessalinização como sustentável (verde), ou seja, considera que contribui substancialmente para, pelo menos, um dos seis objetivos ambientais estabelecidos (adaptação às alterações climáticas), e não prejudica significativamente nenhum deles – desde que sejam cumpridas rigorosas condições de instalação e operação, relacionadas com os aspetos ambientais. A energia verde deve ser utilizada tanto quanto possível e a salmoura deve ser reduzida e, em caso de descargas, deve ser tratada em segurança e diluída em água.


4.2 Caso de estudo em Portugal

A conceção, construção e exploração da Estação de Dessalinização de Água do Mar (EDAM) do Algarve, foi adjudicada pelo Governo em 22 de outubro de 2024. O investimento pretende minimizar os efeitos de ciclos de seca prolongada, associada a uma situação de escassez hídrica já considerada estrutural. O novo equipamento irá permitir o acesso a água potável que corresponde a 20% do consumo urbano atual da região, cerca de 16 milhões de m3 de água por ano (42 300 m3/dia). A produção poderá, no limite da capacidade e após ampliação, chegar aos 24 milhões de m3 por ano (64 800 m3/dia).

A central de dessalinização, que vai ser construída em Albufeira, representa um investimento de 108 milhões de euros, devendo estar concluída em final de 2026. Será utilizada a tecnologia de osmose inversa com duas passagens (Double Stage Reverse Osmosis), tendo como objetivos obter um produto final de maior qualidade e aumentar a taxa de conversão da instalação – estima-se que serão produzidos 0,30 a 0,45 litros de água tratada, por cada litro de água bruta captada.

O sistema inclui a captação de água bruta através de torres de captação localizadas offshore, a 1450 metros da costa e a 10 metros de profundidade, e uma estrutura de descarga de salmoura, incluindo emissários submarinos com 1300 metros de comprimento, com difusores para incrementar a dispersão da pluma de salinidade. Será construída uma unidade de produção de eletricidade composta por painéis fotovoltaicos, para reduzir o consumo de energia da estação de dessalinização.

Foi realizada uma consulta pública entre 6 de novembro e 19 de dezembro de 2023, tendo a mesma sido encerrada em 3 de março de 2024, após período de análise. A informação detalhada sobre a Avaliação de Impacte Ambiental, incluindo a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) e o Título Único Ambiental (TUA), encontra-se publicada no portal SIAIA da APA .

De acordo com a Declaração de Impacte Ambiental (DIA p.26), “a rejeição da salmoura, associada a outros efluentes da EDAM, é o impacte negativo mais significativo e com consequências desconhecidas nos sistemas ecológicos, pois todas as modelações efetuadas apresentam sempre incertezas quando comparadas com a situação real.”

Perspetiva futura da Estação de Dessalinização de Água do Mar (EDAM) do Algarve


Peças desenhadas da Estação de Dessalinização de Água do Mar (EDAM) do Algarve


5. PESPECTIVAS FUTURAS

A água dessalinizada é, atualmente, utilizada como principal fonte de abastecimento municipal em muitas zonas do mundo. Registou-se uma explosão da procura na região do Médio Oriente e Norte de África, sendo o processo de dessalinização amplamente empregue em muitos outros países, como a Espanha, Caraíbas e Austrália. Estão igualmente a desenvolver-se novos mercados na China, Índia, Singapura, Chile e EUA (DG MARE, 2024).

Em 2020, a proporção de energia renovável utilizada na dessalinização foi de apenas cerca de 1%, o que explica a sua pegada de carbono relativamente grande. Utilizando um modelo de custeio de engenharia, estimou-se que uma grande parte da população da região do Mediterrâneo poderia ser servida por dessalinização por osmose inversa, alimentada por energia fotovoltaica, a um custo abaixo de 1€/m3 (DG MARE, 2024).

O potencial impacte ambiental da dessalinização, reclama a necessidade de práticas sustentáveis nos processos e na eliminação de salmoura (brine), cujos impactes devem ser adequadamente mitigados, para evitar efeitos adversos nos meios aquáticos e ecossistemas costeiros. Existem já projetos que se concentram na redução dos resíduos de salmoura e, portanto, na redução dos seus impactes ambientais, e que simultaneamente recuperam os minerais para reutilização em outras indústrias.


6. CONCLUSÕES

A água liga todos os aspetos da vida. O acesso a água potável e saneamento tem o poder para transformar potenciais problemas em oportunidades, capacitando as pessoas com tempo para a escola e para o trabalho e contribuindo para melhorar a saúde das pessoas em todo o mundo.

Água é vida – fonte de desenvolvimento sustentável e de prosperidade. Porém a sua disponibilidade e distribuição é notavelmente desigual. Em algumas regiões, a água abunda e é utilizada de forma insustentável – como se não tivesse qualquer valor. Em outras regiões, a sua escassez é atroz para pessoas e comunidades, tendo a capacidade de gerar conflitos e de promover migrações.

A água é um recurso global – todos somos responsáveis pela sua preservação e distribuição equitativa. Porém, nem todos assumem esta responsabilidade. Apesar de todas as ações de literacia e de regulação de comportamentos, perseguimos a tragédia dos comuns (Garret Hardin, 1968) “agindo de forma racional e independente, de acordo com os seus próprios interesses, as pessoas comportam-se contra o interesse de todos e o bem comum, esgotando recursos essenciais à sua sobrevivência e à das gerações futuras”.

Dada a dificuldade de mobilização para a resolução dos grandes problemas do planeta, torna-se necessário encontrar soluções viáveis, apesar dos impactes ambientais associados. O princípio de “não prejudicar significativamente” o ambiente (Do No Significant Harm DNSH), apresenta-se como uma realidade não perfeita e muitas vezes vaga, porém a melhor possível, perante a referida quádrupla crise planetária.

No caso da crise global da água, a tecnologia de dessalinização é uma destas soluções – algumas vezes a única alternativa. Em outros casos, a dessalinização – não sendo uma solução perfeita – apresenta-se como um mal menor, quando comparado com outras soluções.

O recurso à dessalinização deve ser considerado, depois de avaliadas todas as outras possibilidades, incluindo a correta gestão dos sistemas de armazenamento e distribuição de água, assim como a análise e identificação das respetivas perdas.

Conforme sublinhado no texto da Plano Nacional da Água, aprovado em 2016 “(…) a CE propõe uma hierarquia dos recursos hídricos, na qual só serão consideradas opções adicionais de abastecimento de água (p. ex.: dessalinização) depois de terem sido esgotadas todas as outras melhorias a nível da eficiência do lado da procura. Esse processo deverá basear-se numa ACB [Análise de Custo-Benefício].”

Devem igualmente ser consideradas e privilegiadas as soluções baseadas na natureza (nature-based solutions NbS), considerando os próprios ecossistemas e os seus recursos naturais, reduzindo a dependência de soluções convencionais de engenharia e infraestruturas “cinzentas”.

Por fim e não menos importante, é prioritário investir a montante e de forma preventiva, promovendo a economia circular – eliminando o lixo e a poluição; circulando produtos e materiais até ao máximo do seu limite; e regenerando a natureza.

Particularizando para a situação de escassez da água, é fundamental – em qualquer caso e de forma permanente e consistente – investir na alteração de comportamentos e na utilização sustentável da água, através da consciencialização das pessoas e da regulação do seu uso, mesmo que em simultâneo com qualquer solução de engenharia e de infraestruturas.


Autor: Álvaro Sardinha (2025)

Artigo elaborado no âmbito do projeto de avaliação, defendido na unidade curricular Tourism and Sustainable Water Use Supply, Demand, and Security, da pós-graduação Sustainable Strategies for Tourism Hospitality, realizada pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL).

O projeto de avaliação original inclui referências para as fontes de informação. As mesmas foram propositadamente omitidas no presente texto.