O projeto INOVSEA caracteriza vários setores da economia azul, numa abordagem de inovação E colaboração. A bioeconomia e a biotecnologia azul são analisadas de forma detalhada, revelando um vasto potencial de geração de valor acrescentado.
Transição para uma nova economia
Com uma população mundial a aproximar-se dos 9,7 mil milhões de pessoas até 2050, torna-se inevitável pensar na escassez de recursos. A economia clássica implica um modelo de crescimento contínuo, com utilização intensiva de recursos, a maior parte das vezes linear, implicando a perda contínua de biodiversidade e provocando alterações climáticas com graves consequências. A sustentabilidade das pessoas e do planeta depende da utilização racional dos recursos naturais disponíveis e da profunda alteração dos processos de produção, de consumo e de reciclagem.
Exige-se, assim, uma economia que concilie as necessidades em termos de agricultura e pescas sustentáveis, segurança alimentar e utilização de recursos para fins industriais, garantindo, em simultâneo, a proteção do ambiente e a conservação da biodiversidade. Esta economia deve ainda promover a transição de uma sociedade baseada em matérias-primas fósseis, para uma sociedade de base biológica assente em recursos renováveis.
A transição deve ser promovida através da ciência, conhecimento e inovação, assumindo as áreas das biociências em geral e da biotecnologia em particular, um papel fundamental para apoiar este percurso. A bioeconomia azul e a biotecnologia azul, alicerçadas nos ambientes aquáticos, assumem um papel de particular importância na sustentabilidade almejada.
Definição de Bioeconomia
De forma simplificada, a visão da bioeconomia consiste numa economia baseada principalmente em recursos biogénicos (produzidos pela ação de organismos vivos) em vez de fósseis: "The bioeconomy concept envisages a gradual replacement of fossil-based feedstocks with bio-based ones" (OCDE).
Na Estratégia da Bioeconomia para a Europa, publicada em 2012 e atualizada em 2018, a Comissão Europeia apresenta uma definição detalhada:
"A bioeconomia abrange todos os setores e sistemas que dependem de recursos biológicos (animais, plantas, microrganismos e biomassa derivada, incluindo resíduos orgânicos), e as suas funções e princípios. Inclui e interliga: (1) ecossistemas terrestres e marinhos e os serviços que fornecem; (2) todos os setores de produção primária que usam e produzem recursos biológicos, ou seja, agricultura, silvicultura, pesca e aquicultura; e (3) todos os setores económicos e industriais que usam recursos e processos biológicos para produzir alimentos, rações, produtos de base biológica, energia e serviços. Atravessa estes setores e sistemas, interligando-os e criando sinergias.”
Estabelece ainda que a bioeconomia deve ser sustentável e circular:
“Para ter sucesso, a bioeconomia europeia deve ter a sustentabilidade e a circularidade no centro, impulsionando a renovação das indústrias, a modernização dos sistemas de produção primária, a proteção do meio ambiente e a conservação da biodiversidade.”
Definição de Biotecnologia
O termo biotecnologia (biotechnology ou biotech), representa a junção de diversas ciências biológicas (por exemplo a microbiologia, a biologia celular e a genética) com diferentes tecnologias (por exemplo a robótica, a computação, a impressão 3D), para gerar novos produtos e serviços.
A Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (The Convention on Biological Diversity CBD) , assinada em 1992, define biotecnologia como “qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados para a criação ou modificação de produtos ou processos para utilização específica”.
As primeiras manifestações de biotecnologia remontam aos processos de fermentação para produção de bebidas alcoólicas e para o fabrico de pão, queijos, vinagres e iogurtes. Atualmente é possível classificar a indústria de biotecnologia em vários setores, que incluem a biofarma (biotecnologia farmacêutica), a biotecnologia industrial, a biotecnologia agrícola, a biotecnologia alimentar, a biotecnologia ambiental e a bioinformática.
A biotecnologia é atualmente uma disciplina inovadora ligada a diferentes setores, incluindo a biologia, agricultura, veterinária, medicina e bioengenharia, sendo ainda relevante para muitas atividades industriais. Na realidade, biotecnologia é um termo amplo que inclui áreas de trabalho como a biotecnologia animal, genética médica, biotransformação, biologia sistémica, engenharia metabólica, engenharia de bioprocessos, nanotecnologia, biossensores, ciências ómicas, ética, biotecnologia vegetal, biorrefinaria, bioenergia, biocombustíveis, bioprodutos, engenharia de enzimas e proteínas, células-tronco, biomateriais, engenharia de tecidos e biotecnologia de alimentos e rações.
De acordo com Biotechnology Innovation Organization (BIO) , a biotecnologia tem atualmente a seguinte definição:
“At its simplest, biotechnology is technology based on biology - biotechnology harnesses cellular and biomolecular processes to develop technologies and products that help improve our lives and the health of our planet.”
Aplicações da biotecnologia
A biotecnologia é usada em vários produtos e setores industriais, incluindo a saúde humana e farmacêutica, saúde animal, agricultura, têxteis, produtos químicos, plásticos, papel, combustível, alimentos e rações. De acordo com o Electronic Journal of Biotechnology, existem atualmente vários tipos de biotecnologia, as quais podem ser distinguidas por cores:
Biotecnologia vermelha: relacionada com a medicina e saúde;
Biotecnologia amarela: relacionada com a alimentação e nutrição;
Biotecnologia azul: relacionada com o oceano e os mares; com a exploração e aproveitamento de organismos marinhos;
Biotecnologia verde: engloba todos os processos do setor agrícola;
Biotecnologia castanha: ligada a locais inóspitos e pouco habitados como os desertos;
Biotecnologia violeta: regulamentação e propriedade intelectual, incluindo patentes, invenções e publicações;
Biotecnologia branca: processos industriais que envolvem enzimas e microrganismos;
Biotecnologia dourada: foca-se na bioinformática e nanotecnologia;
Biotecnologia cinza: ligada aos ecossistemas e ciências do ambiente; e
Biotecnologia negra: focada no desenvolvimento de armas biológicas.
Num modelo mais simples, as principais aplicações da biotecnologia podem agrupar-se em três blocos:
Aplicações de saúde e farmacêuticas, desenvolvendo medicamentos, terapias, diagnósticos e vacinas avançadas;
Aplicações na agricultura, pecuária, produtos veterinários e aquicultura, melhorando a alimentação animal, produzindo vacinas para o gado e melhorando os diagnósticos e deteção de doenças; e
Aplicações em processos industriais e produção, através do uso de enzimas na produção de detergentes, celulose e papel, têxteis e biomassa.
Biotecnologia - a ciência do futuro
A biotecnologia encontra-se em franca expansão em vários campos da ciência, emergindo como uma promissora fonte de carreiras profissionais. Tem aplicações em muitos setores além da biologia e da química, pelo que existem oportunidades em muitos tipos de organizações, incluindo agências governamentais, empresas privadas, órgãos reguladores e laboratórios. A gama de profissões é também ampla e inclui o engenheiro biomédico, o bioquímico, o cientista médico, o microbiologista, especialistas em biomanufatura e muitos mais. A biotecnologia evidencia a sua importância em quatro setores:
Setor de alimentos e agricultura: a biotecnologia agrícola permite que os agricultores produzam mais, em condições de cultivo menos adequadas, com colheitas resistentes a secas e a enchentes, incentivando os agricultores a usar o mínimo de pesticidas, tornando a cultura resistente a insetos e reduzindo uma quantidade significativa de consumo de água e combustível;
Setor da medicina e saúde: a biotecnologia beneficia milhões de pessoas em todo o mundo, apoiando o desenvolvimento de muitos dos medicamentos comercializados. Uma das suas principais conquistas revela-se no campo dos testes genéticos para minimizar a transmissão de doenças hereditárias. Está também a mostrar valor no campo da engenharia metabólica e da biologia sintética, combinando os conceitos de engenharia com biologia;
Setor industrial: aplicação da biotecnologia para fins industriais, por exemplo a fermentação industrial, através da qual são utilizados microrganismos, como bactérias e fungos, para fabricar produtos essenciais para o ser humano, incluindo produtos químicos, detergentes, têxteis, alimentos para animais, celulose e papel. Ao usar matérias-primas renováveis, contribui também para o meio ambiente, reduzindo as emissões de gases com efeito estufa; e
Setor do ambiente: a biotecnologia ambiental visa reduzir ou erradicar problemas ambientais como a poluição e aproveitar os recursos naturais como as plantas, animais, bactérias, algas e fungos, para produzir energia renovável, alimentos e nutrientes. É também utilizada em bioremediação, para reduzir, remover ou remediar contaminações no ambiente, como por exemplo um derrame de petróleo ou vazamento de um produto químico perigoso.
Biotecnologia azul
A biotecnologia marinha ou azul está relacionada com a utilização de recursos biológicos com origem em ambientes aquáticos (de água doce ou marinhos), como alvo ou fonte de aplicações biotecnológicas, agregando-lhes valor. É o campo da ciência que lida com a exploração dos mares e oceano, para o desenvolvimento de novos fármacos, produtos químicos, enzimas e outros produtos e processos.
Inclui as formas tradicionais de biotecnologia marinha como a aquicultura, mas revela avanços notáveis e abrangentes nos campos da medicina, cosmética, nutricêutica, produção de alimentos e aplicações ambientais industriais. Novas aplicações estão em desenvolvimento, incluindo a biorremediação, a produção de biocombustíveis e a modificação genética de peixes. A biotecnologia marinha abrange também o desenvolvimento de equipamentos, por exemplos boias com sensores para monitorização da condição da água.
Aplicações da biotecnologia azul
A biotecnologia azul é um facilitador de inovação na utilização dos recursos biológicos marinhos, baseado em conhecimento e uso intensivo de capital, contribuindo para a bioeconomia com soluções para alguns dos grandes desafios atuais: segurança alimentar e nutricional; crescimento económico sustentável; e saúde da população.
Os produtos da pesquisa e inovação da biotecnologia marinha são já usados e apoiam o desenvolvimento nos mercados globais de alimentos e rações, cosméticos, aquicultura, agricultura, química e farmacologia. Porém, a gama de produtos e serviços baseados em biorecursos marinhos continua um caminho de diversificação, com novas aplicações nos mercados de enzimas industriais, alimentos funcionais , cosmecêuticos , farmacêutica, biomateriais, dispositivos médicos e bioprocessamento. As aplicações biotecnológicas podem ser usadas para aproveitar o potencial do meio ambiente marinho, para benefício humano e progresso biológico fundamental.
Apresentam-se de seguida exemplos de algumas das aplicações mais comuns da biotecnologia azul.
Aquicultura e pescas
Reprodução: produção de estimulantes para promoção da reprodução de espécies em cativeiro; controlo do hermafroditismo através de engenharia genética;
Nutrição: utilização de fontes de proteína de origem vegetal, adaptadas por engenharia genética para alimentação de peixes em aquicultura; produção de óleo de peixe (ómega-3) a partir de sementes de plantas oleaginosas geneticamente modificadas;
Controlo de saúde: diagnóstico de doenças em organismos marinhos, mesmo sem sintomas visuais de doença; resposta a vários agentes patogénicos virais que afetam a cultura de camarão, com a identificação e caracterização de genes envolvidos na resposta imunitária e interferência de RNA (RNAi); desenvolvimento de peptídeos antimicrobianos (AMPs) como alternativa aos antibióticos para a aquicultura; desenvolvimento de vacinas para proteger os peixes de doenças virais e prevenir a propagação de doenças;
Promoção do crescimento: pesquisas transgénicas dando origem a peixe geneticamente modificado, melhorando as taxas de crescimento com ciclos de produção mais curtos, custos de produção mais baixos e redução da poluição na aquicultura.
Medicina
Os extratos de organismos marinhos são usados como medicamentos há mais de 2 000 anos. Nos séculos XIX e XX, o óleo de fígado de bacalhau tornou-se um famoso suplemento nutricional. A exploração do oceano tem permitido identificar um número crescente de compostos bioativos a partir de organismos vivos marinhos. A biotecnologia é utilizada para fazer cópias dos compostos marinhos em laboratório, para que não precisem ser constantemente recolhidos da vida marinha. Vários medicamentos hoje comercializados (antibióticos, antivirais, analgésicos e anticancerígenos) são derivados de organismos marinhos.
Ambiente
Estudos têm mostrado que os microrganismos marinhos exibem vias de biodegradação únicas para quebrar vários poluentes orgânicos. Outros estudos também mostraram que alguns organismos marinhos produzem produtos químicos ecológicos, como biopolímeros e biossurfactantes, que podem ser usados na gestão e tratamento de resíduos ambientais.
Biofuel
Os biocombustíveis produzidos a partir de microalgas são uma das formas economicamente viáveis de reduzir o consumo de combustível fóssil. As microalgas são consideradas melhores fontes de biocombustíveis do que plantas superiores, devido ao seu alto teor de óleo; a facilidade de propagação (pode ser cultivada em água do mar ou salobra, não competindo com os recursos da agricultura convencional); a biomassa residual após a extração do óleo pode ser usada como alimento ou fertilizante; e a composição bioquímica pode ser controlada pela modificação das condições de crescimento.
Biomassa azul
A bioeconomia azul e a biotecnologia azul incluem os grupos de organismos marinhos não explorados tradicionalmente e as aplicações comerciais de biomassa, incluindo as macroalgas (algas marinhas), os microrganismos (microalgas, bactérias e fungos) e os invertebrados marinhos (estrelas do mar, pepinos do mar, ouriços do mar).
O setor da biomassa de algas inclui microalgas, macroalgas (algas marinhas - seaweeds) e cianobactérias (espirulina). As macroalgas são colhidas de fontes silvestres ou cultivadas no mar (litoral ou offshore), ou em águas interiores. A espirulina é produzida principalmente em tanques abertos; as microalgas são produzidas em tanques abertos ou em sistemas fechados como fotobiorreatores ou fermentadores.
A atual utilização comercial da biomassa de algas foca-se nos setores de alimentação humana, produção de suplementos alimentares e nutricêuticos, cosméticos e bem-estar, rações, produtos farmacêuticos, fertilizantes e bioestimulantes agrícolas. Mas novas aplicações comerciais estão em desenvolvimento, incluindo a produção de biomateriais, a biomitigação de impactos ambientais nocivos e a extração de compostos bioativos para produtos nutricêuticos, farmacêuticos e cosméticos. O uso da biomassa de algas para biorremediação, produção de biocombustíveis e biopolímeros (por exemplo, bioplásticos) está atualmente sob prospeção e desenvolvimento.
A biomassa de algas é amplamente utilizada na Ásia como alimento e é cada vez mais popular nas dietas ocidentais.
Potencial da biotecnologia marinha
A vida começou no mar. O oceano e os mares cobrem cerca de 72% da superfície do planeta e constituem mais de 95% da biosfera, uma vez que os organismos vivos são encontrados em toda a coluna de água. Foram o berço da humanidade e continuam a sustentar a vida do planeta, gerando oxigénio, absorvendo dióxido de carbono, reciclando nutrientes e regulando o clima e a temperatura globais .
O oceano e os mares do mundo constituem um espaço riquíssimo em biodiversidade, possuindo as formas de vida mais antigas e mais diversas, distribuídas por uma ampla gama de habitats desde o litoral até ao mar profundo.
Assim, o ambiente marinho é um tesouro de diversidade biológica e química entre todos os tipos de ecossistemas. Possui uma grande variedade de organismos vivos, de bactérias a eucariotos, bem como compostos químicos únicos.
Os ambientes marinhos são incrivelmente variados e podem apresentar características físicas extremas, por exemplo, pressão, temperatura, salinidade, densidade e luz. Os organismos marinhos que vivem nessas condições sofrem adaptações fisiológicas, ativando genes e produzindo moléculas bioativas, com alto potencial como fonte de aplicações biotecnológicas, gerando novas fontes naturais que podem ser usadas em vários produtos e processos, de elevado valor acrescentado.
O potencial de inovação e diferenciação de produtos é elevado. Vários compostos bioativos extraídos de organismos marinhos conquistaram já o interesse do setor médico, apresentando propriedades antitumorais, anti-inflamatórias, analgésicas, imunomoduladoras, antialérgicas e antivirais. Alguns são já comercializados, sendo amplamente usados no tratamento de vários tipos de cancro e no alívio da dor. Novas pesquisas e inovações em curso, incluem o cultivo comercial de corais para aplicações de enxertos ósseos e a produção de plástico biodegradável, a partir de cascas secas de camarão .
Biodescoberta ou bioprospeção
A biodescoberta ou bioprospeção marinha (biodiscovery) consiste na pesquisa direcionada e sistemática de componentes, compostos bioativos e genes em organismos marinhos. É realizada em todos os organismos do ambiente marinho, incluindo microrganismos (bactérias, fungos, vírus) e organismos maiores (plantas marinhas, crustáceos e peixes). Oferece oportunidades para utilizar material do mar de maneira sustentável.
Apesar dos esforços contínuos, muitas regiões marinhas permanecem muito pouco exploradas, em comparação com os ambientes terrestres, existindo muito trabalho a fazer em termos de pesquisa e de amostragem. Em termos de potencial de descoberta, os organismos marinhos apresentam vantagens comparativamente às plantas, animais ou microrganismos terrestres, devido à sua biodiversidade; ao conhecimento limitado do oceano; e à variedade de ambientes ecológicos extremos em que são encontrados.
A atividade de biodescoberta deve ser realizada de forma sustentável, exigindo elevados investimentos e projetos de longo prazo. A biotecnologia marinha é uma atividade intensiva em conhecimento, sendo vital a colaboração multidisciplinar para estimular o investimento e a inovação, assim como a aproximação da academia e da indústria.
Cadeia de valor
A cadeia de valor da biotecnologia azul inclui, pelo menos, quatro setores, como se apresenta de seguida.
Entidades de conhecimento: universidades e centros de investigação e desenvolvimento tecnológico, em particular os especializados em biotecnologia;
Desenvolvimento de produtos: empresas e entidades responsáveis pelo desenvolvimento de produtos e compostos de origem marinha, incluindo os setores agroalimentar, farmacêutico e cosmética;
Utilizadores de compostos: empresas e entidades que utilizam compostos de origem marinha no fabrico dos seus próprios produtos; e
Indústria auxiliar: entidades que oferecem produtos, equipamentos e serviços de apoio à indústria, incluindo material de laboratório, equipamentos, tecnologia e serviços vários.
Economia azul para um futuro sustentável
Em maio de 2021 a Comissão Europeia publicou uma importante comunicação , relativa a uma nova abordagem para uma economia azul sustentável na UE – Transformar a economia azul da União Europeia para assegurar um futuro sustentável. Relativamente à biotecnologia, é amplamente referenciada a biomassa de algas como se evidencia no extrato:
“Para além do seu potencial de produção de bioprodutos e biocombustíveis, as algas podem fornecer matérias-primas alternativas viáveis e sustentáveis para a alimentação humana e animal. Os alimentos à base de algas podem aliviar as pressões ambientais exercidas pela agricultura, pela aquicultura e pela pesca. O investimento em microalgas como nova fonte de alimentos para animais pode ajudar a reduzir as capturas de peixe selvagem para a alimentação animal. Embora o combate à eutrofização exija sobretudo a redução da poluição na origem, a produção de algas no mar pode ajudar a remover o excesso de carbono, azoto e fósforo da água. A introdução no mercado da União Europeia de novos alimentos para consumo humano e animal à base de algas e de produtos do mar constitui uma oportunidade importante para o desenvolvimento de um setor alimentar sustentável.”
Estratégia Nacional para o Mar
A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 preconiza uma área de intervenção prioritária relacionada com este setor: AI4. Bioeconomia e biotecnologia azul, da qual se partilha parte relevante:
“Nesta década, Portugal deve fortalecer a sua aposta na biotecnologia azul e no desenvolvimento de uma bioeconomia azul mais robusta e expressiva. Importa reforçar as pontes entre a academia e a indústria, canalizar investimento para a inovação e desenvolver parcerias flexíveis dedicadas à procura de soluções para problemas concretos, estimulando a contratação de investigadores pelo tecido empresarial.
Deve ser dada a primazia de apoio e financiamento público a projetos descarbonizantes, circulares e sustentáveis. No entanto, para que tal aconteça, a biotecnologia azul nacional precisa de ganhar escala e mundo. É necessário um reforço das competências dos potenciais empreendedores, formação complementar relevante para os atuais e futuros cientistas marinhos, assim como para muitos dos atuais empreendedores que podem ter de repensar os seus negócios. O reforço da escala de investimento e produção, bem como da internacionalização das empresas deste setor, devem estar na mira das políticas públicas de apoio e financiamento ao setor.
A bioprospeção marinha em águas nacionais, principalmente em mar profundo, deve continuar para aumentar o conhecimento científico dos recursos genéticos marinhos com potencial biotecnológico que temos em Portugal; no entanto, as leis de acesso aos mesmos e as obrigações de quem deles pretende beneficiar têm de ser clarificadas. Devemos assegurar que as disposições do Protocolo de Nagoia e da legislação europeia e nacional sobre partilha de benefícios da biodiversidade são efetivamente implementadas em Portugal. Uma maior cooperação entre academia e indústria, incluindo colaboração internacional, e a criação de um Hub Digital azul, onde se concentram todos os dados das coleções marinhas nacionais, pontos e condições de acesso, bem como de infraestruturas de prototipagem e scale up de produção, biorrefinarias e processamento de biomassa marinha, e ainda os Laboratórios Colaborativos (CoLabs) na área do mar, revestem-se de natureza estratégica para o reforço de uma potencial liderança e crescimento deste setor aos níveis europeu e internacional.”
Benchmarking
Os Estados Unidos são hoje, destacadamente, a nação líder mundial em temos de biotecnologia, tanto no número de empresas como na intensidade de pesquisa e desenvolvimento. Um artigo publicado em 2016 na plataforma de notícias da London School of Economics and Political Science (LSE), e intitulado “Biotechnology: Why does Europe lag behind the US” , revela que:
“European scientists had been responsible for several of the discoveries which paved the way for new commercial opportunities. But American entrepreneurs were much quicker to exploit the new techniques than their European counterparts. The most successful of the pioneers, Genentech, was founded in 1976 and launched its first drug, a genetically engineered version of insulin, in 1982. It was followed by a host of imitators, many of which listed their shares on the stock market.
The success of these firms owed a great deal to the ingenuity and vision of their founders, but the US had other advantages which supported the growth of the sector. Biomedical research was funded on a very large scale by the Federal government, contributing both to advances in knowledge and to the supply of well-trained scientists. American universities were well equipped, especially after the Bayh-Dole Act of 1980, for transferring the results of academic research into industry. The US had a venture capital industry which had experience in nurturing early-stage firms, especially in electronics, and could apply the same skills to biotechnology. The safety and efficacy of new drugs were regulated in the same way as in Europe, but there were no government controls over prices; the US market was not only much larger than any single European country, but also more rewarding for innovators.”
“How did the US do so well? First-mover advantage is part of the answer, coupled with the fact that (alongside numerous failures) several of the pioneers produced blockbuster drugs within very few years of their foundation. These star performers attracted investor support to what came to be a seen as a high-risk but potentially high-reward business. As more scientist-entrepreneurs entered the market, the increasing size and sophistication of the investor community committed to biotech meant that promising firms could access capital on a scale that was not available in Europe.”
Um artigo publicado em 2009 e intitulado “Six secrets to success—how to build a sustainable biotech business” , revela os elementos fundamentais para se desenvolver a indústria da biotecnologia com sucesso. Não basta uma ideia ou a ciência apenas, sendo fundamental ter uma estratégia para 6 fatores:
Gestão: construir uma equipa que partilha uma visão comum ambiciosa, honestidade intelectual e uma cultura empreendedora, na qual os fundadores têm um compromisso de longo prazo;
Capacidade de adaptação: seguir a visão, mas estar preparado para que o plano de negócios original mude;
Tempo: onde estará o mercado daqui a sete anos? É importante conhecer a resposta;
Localização: escolher um lugar acessível, perto de investidores e de empresas já estabelecidas;
Capital: atrair capital de risco desde o primeiro dia; e
Ciência: dispor de ciência de classe mundial, sem esquecer que a ciência sozinha não faz uma empresa de sucesso.
Importância das start-ups e da localização
De acordo com o artigo referido, a descoberta e o desenvolvimento de soluções em biotecnologia exigem muito capital, sendo normalmente necessário investir muito dinheiro antes de existirem lucros. A tesouraria é provavelmente o maior risco que as empresas enfrentam nos seus estágios iniciais, sendo necessário possuir uma estratégia de financiamento e de investimento. A localização da empresa pode influenciar o acesso a capital – os investidores podem não estar muito recetivos a grandes viagens. Mas há mais razões para escolher bem uma localização, com boa acessibilidade e perto de empresas estabelecidas:
“O agrupamento tem várias vantagens: primeiro, permite que as empresas sintonizem as mudanças estratégicas de um setor e se tornem bem-sucedidas juntas; em segundo lugar, fornece um ambiente que atrairá talentos de classe mundial – os candidatos têm a segurança de saber que, se as coisas não derem certo com uma empresa, então há outras por perto; terceiro, permite a combinação de conjuntos de competências - muitas descobertas importantes e avanços científicos surgiram da convergência de diferentes disciplinas e culturas.”
E, finalmente:
“A biotecnologia, mais do que qualquer outro negócio de alta tecnologia, depende de laços estreitos com as principais instituições académicas, tanto no início como na sua continuidade. Na maioria das vezes, as tecnologias críticas são descobertas e desenvolvidas na academia. Relações pessoais e profissionais estreitas entre a indústria e a academia são a principal fonte para as ideias mais promissoras. Com bastante frequência, as universidades também fornecem os recursos humanos para empresas de biotecnologia em fase inicial.”
A indústria de biotecnologia precisa de start-ups. O Spanish National Research Council (CSIC) explica que “The start-up companies are a key instrument for the transfer of knowledge generated in public research organizations, such CSIC, translating research results into products on the market and promoting the creation of a more innovative industrial sector.”
De facto, a indústria da biotecnologia está intimamente ligada ao desenvolvimento de uma comunidade local empreendedora e ativa. Incentivos fiscais, iniciativas de ensino e formação e investimentos em infraestruturas, podem ser fatores facilitadores. Mas a criação de um modelo de colaboração com financiamento público é fundamental.
O centro de pesquisa e desenvolvimento Icelandic Food and Biotech R&D (MATÍZ) constitui um bom exemplo e um caso de sucesso na facilitação da pesquisa e empreendedorismo. Esta organização foi fundada em 2007 e realiza pesquisa e desenvolvimento nas áreas de alimentos e biotecnologia. Hospeda também uma variedade de microempresas que usam as suas instalações científicas, laboratoriais e administrativas. Este modelo permite que cientistas e técnicos trabalhem dentro do laboratório para mais de uma empresa, maximizando assim os benefícios do conhecimento e experiência. Fornece também massa crítica e permite que as empresas trabalhem globalmente com a academia e outras entidades empresariais. A colaboração académica e empresarial é crítica para o sucesso no desenvolvimento de processos e produtos. A disponibilidade de recursos humanos qualificados e uma perspetiva internacional no que diz respeito à pesquisa, desenvolvimento e marketing são também fatores críticos de sucesso.
Sobre o projeto INOVSEA
Promovido pela Associação Empresarial de Viana do Castelo (AEVC) e pela Associação Comercial e Industrial da Figueira da Foz (ACIFF), o projeto INOVSEA visa potenciar a inovação nas PME que integram a economia do mar das regiões costeiras do Alto Minho e Baixo Mondego, tendo como base a cooperação e o incremento de competências.
A inovação, o conhecimento e as redes de cooperação são as peças centrais do projeto INOVSEA. Neste contexto, é potenciada a interligação das empresas a centros de conhecimento e de ciência, através da definição de um ecossistema de inovação que possa apoiar e agilizar o crescimento da economia do mar. O ecossistema de inovação é constituído por um segmento científico que inclui entidades de ensino, universidades e instituições de investigação; e por um segmento institucional que inclui associações, clusters, fundações, municípios e entidades públicas.
É ainda promovida a aproximação a entidades com recursos e competências específicas, nomeadamente incubadoras, centros tecnológicos, redes de empresas e de internacionalização, fontes de capital e habitats de captação de talento.
Aceda ao Plano de Ação INOVSEA e saiba mais.
Texto: Álvaro Sardinha | EconomiaAzul