Que desafios enfrenta o turismo em Portugal? E o turismo azul? Por que é fundamental assegurar a sua sustentabilidade?
Sustentabilidade do turismo
O turismo continua a ser um dos setores económicos mais importantes do mundo, uma plataforma fundamental para uma economia de serviços em crescimento, gerando receitas e divisas, criando empregos, estimulando o desenvolvimento regional e apoiando as comunidades locais.
O crescimento futuro enfrenta, no entanto, um mundo em mudança acelerada pelo desenvolvimento de tecnologias digitais; um mundo ameaçado pelas alterações climáticas e poluição crescente (nas suas diversas formas); e o aumento crescente da população global, com tendência para se fixar nas zonas litorais.
A sustentabilidade do turismo exige o equilíbrio das vertentes ambiental, social e económica, tendo esta visão sido já percebida por governos e organizações. Há que cuidar das comunidades, da cultura, do ambiente e da saúde dos ecossistemas – fatores que, no seu conjunto, são a verdadeira galinha dos ovos de ouro do turismo.
Constituem absolutas prioridades: proteger a biodiversidade e os ecossistemas; promover a economia circular, reutilizando e reduzindo desperdícios; promover a eficiência energética e a neutralidade carbónica; gerir e poupar recursos (por exemplo água); gerir os resíduos; eliminar o plástico de uso único; e proteger a herança cultural das comunidades.
Potenciais impactos do turismo
O crescimento contínuo do turismo causa pressão sobre as infraestruturas, o meio ambiente, as comunidades locais, outros setores económicos e a sociedade em geral. Se o crescimento não for planeado e gerido pode levar a impactos significativos em locais culturais, património, paisagens, espaços públicos e ambientes sensíveis, bem como na vida quotidiana dos residentes, muitas vezes resultando em perceções negativas ou até mesmo ressentimento em relação aos turistas e ao turismo de forma mais ampla.
Muitas vezes, o comportamento do turista não está de acordo com as normas culturais e sociais, os quais tentam “construir a sua marca, ao invés de ampliar os seus horizontes”. A evolução negativa da situação pode levar à perda de identidade e autenticidade dos destinos. De acordo com o relatório “Tourism Trends and Policies 2020” publicado pela OCDE, são identificados os seguintes impactos potenciais do turismo:
🌍 Impactos ambientais: (1) congestionamento das infraestruturas; (2) sobrelotação dos pontos de atração; (3) poluição; e (4) danos no património;
💰 Impactos económicos: (1) inflação; (2) custos das infraestruturas; (3) imagem dos destinos; e (4) dependência económica; e
😶 Impactos socioculturais: (1) marginalização de residentes; (2) degradação da segurança percebida; (3) degradação de infraestruturas; e (4) invasão de áreas residenciais.
A economia partilhada
A economia partilhada constitui um paradigma que possibilita não só a troca direta (ponto a ponto ou peer-to-peer) de bens e de serviços, mas também a rentabilização de ativos. O progressivo lançamento de plataformas digitais globais tem acelerado o crescimento da economia partilhada, apresentando esta oportunidades, mas também ameaças. Por exemplo, as atividades que promovem a partilha de alojamento têm crescido exponencialmente nos últimos anos, porém, com evidências de que estão a impactar negativamente o mercado imobiliário em muitas grandes cidades, reduzindo o número de habitações para arrendamento e contribuindo para “esvaziar” as comunidades locais. Podem ainda acrescentar outros impactos, como o aumento do ruído e a perturbação do equilíbrio social.
Crescimento sustentável
A governação – central, regional e local, está hoje focada em dois temas críticos na gestão do turismo:
(1) a transformação digital da sociedade; e
(2) a implementação de políticas de turismo sustentável.
A digitalização oferece oportunidades, mas também desafios. O rápido desenvolvimento da economia partilhada; os sistemas de pagamento móveis; as aplicações de realidade virtual e aumentada; a tecnologia blockchain; e a inteligência artificial – impactam modelos de negócios, produtos turísticos, modelos de comunicação e serviços e escolhas dos visitantes.
A sustentabilidade tem prioridade. A perceção de “sucesso” no turismo já não se apoia apenas na vertente económica; está em curso uma mudança de paradigma que exige maior foco nos pilares ambientais e socioculturais da sustentabilidade. O sucesso não deve ser avaliado apenas pelo número de visitantes, empregos e receitas, mas sim de uma perspetiva holística, que considera os impactos positivos e negativos que o turismo pode trazer para os destinos.
As comunidades locais devem beneficiar do turismo de forma mais equitativa e a longo prazo. É importante assegurar que todos são beneficiados e não apenas alguns. Entre as várias soluções para promover a sustentabilidade do turismo, procurando a sua dispersão no espaço e no tempo, destacam-se:
🦋 A distribuição dos visitantes por áreas alargadas, promovendo o desenvolvimento regional de áreas adjacentes aos tradicionais pontos de atração;
💡 A redução da sazonalidade, inovando e desenvolvendo novos produtos de turismo;
🚴 A facilitação da mobilidade dos visitantes melhorando as infraestruturas de comunicação; e
🧑 O desenvolvimento de recursos humanos qualificados com competências sociais e digitais.
Espalhar os benefícios do turismo
Como referido previamente, o crescimento contínuo do número de visitantes causa pressão sobre as regiões, com potenciais impactos sociais e ambientais que assumem particular importância nos centros urbanos, nas zonas costeiras e nos pontos de atração turística.
Uma das formas de aliviar os efeitos nocivos do turismo consiste em dispersar os visitantes por áreas adjacentes, partilhando assim os benefícios económicos e sociais associados ao desenvolvimento destas regiões. Outra forma consiste em desenvolver iniciativas que combatam a sazonalidade do turismo.
Para alcançar estes objetivos torna-se fundamental promover a diversificação do produto turístico, de forma planeada e assente em estratégias de desenvolvimento integrado, para evitar a propagação dos impactos já reconhecidos nas áreas sobrelotadas de visitantes, protegendo assim os habitantes locais e os visitantes. De facto, as medidas de promoção da dispersão do turismo têm o potencial negativo de simplesmente realocar os problemas para outras áreas menos preparadas para o crescimento repentino do número de turistas, que pode exceder sua capacidade natural de suporte.
São várias as iniciativas que se podem desenvolver para promover a diversificação do produto turístico e a dispersão do turismo, com destaque para as seguintes:
🏞️ Turismo cultural e de base comunitária: valorizar o património natural, cultural, religioso e industrial; manter e promover artes, artesanato e cultura tradicionais;
🍲 Turismo temático: promover a gastronomia, a culinária, o vinho e a produção local (mapas de sabores); promover a saúde e bem-estar;
🛶 Eventos regionais e de nicho, nomeadamente desportos de aventura, música, arte, gastronomia; realização de reuniões, eventos e conferências;
💡 Incubadoras e aceleradores de ideias, para apoiar start-ups e clusters de turismo promovendo o encontro entre empresas e conhecimento; e
🌄 Rotas turísticas: criação de vias verdes para bicicletas e passeios pedestres, observação da natureza, peregrinação, entre outras.
Turismo azul e cadeias de valor
O turismo azul abrange três áreas: (1) a náutica de recreio ou turismo náutico; (2) o turismo costeiro ou turismo de praia e sol; e (3) o turismo marítimo ou turismo de cruzeiros.
⛵ Náutica de recreio ou turismo náutico 🏄
A náutica de recreio ou turismo náutico inclui a navegação de recreio (por exemplo a vela de cruzeiro) com utilização de embarcações próprias ou alugadas; e a prática de desportos em meio aquático (por exemplo vela, surf, windsurf, canoagem e remo), em ambos os casos como experiências de lazer e de entretenimento. A náutica de recreio envolve praticantes ocasionais ou regulares e pessoas que ocupam o seu tempo livre em atividades, e/ou formação (por exemplo os turistas). O turismo náutico inclui também a náutica desportiva, cuja atividade principal se foca na competição e participação em provas desportivas, envolvendo recursos e necessidades específicas.
A cadeia de valor da náutica de recreio ou turismo náutico inclui os portos de recreio, marinas, instalações marítimas e clubes náuticos; a compra e venda de embarcações de recreio; o aluguer de embarcações e a realização de excursões marítimas para observação de espécies ou simplesmente lazer; as atividades relacionadas com desportos aquáticos, incluindo escolas de formação, instalações, venda de equipamentos, federações, clubes desportivos; os serviços e suprimentos para embarcações de recreio, incluindo a venda de equipamentos, reparações e manutenção (excluindo construção); e as atividades marítimo-turísticas em geral.
🏖️ O turismo costeiro ou turismo de praia e sol 🏘️
O turismo costeiro ou turismo de praia e sol inclui as atividades de hotelaria e similares localizadas no litoral; o alojamento turístico e outros alojamentos de curta estadia; o turismo de habitação e o alojamento local; a restauração e similares; os parques de campismo e parques para autocaravanas; e outros serviços oferecidos aos turistas. Devem ainda ser incluídos os serviços culturais dos ecossistemas, entendidos como os benefícios não materiais obtidos do meio ambiente, nomeadamente ao nível espiritual, recreativo, estético ou educativo. Incluem-se aqui os passeios à beira-mar, as atividades de contemplação e de descanso, entre outras.
A cadeia de valor desta área é vasta e inclui, além das atividades citadas, a promoção imobiliária dos alojamentos turísticos; as agências de viagem; os operadores turísticos; os transportes; e as atividades culturais e de lazer associadas. De sublinhar que o turismo costeiro ou turismo de sol e praia é dinamizado de forma autónoma pelo setor do turismo, tendo inclusive uma estratégia própria – a Estratégia Turismo 2027. Chega a ser questionável se esta área do turismo costeiro se deveria incluir na “contabilidade” da economia do mar, dado que pode desvirtuar todas as outras fileiras azuis, pelo peso que tem na geração de valor e de emprego. A este respeito, vale a pena analisar a Estratégia Canaria de Economia Azul 2021 – 2030 (ECEA 2030), na qual o turismo costeiro não é considerado ou contabilizado como um setor de atividade da economia do mar.
🚢 O turismo marítimo ou turismo de cruzeiros 🛍️
O turismo marítimo ou turismo de cruzeiros inclui o transporte marítimo de passageiros e as atividades relacionadas com o transporte marítimo e fluvial. A cadeia de valor desta área inclui a oferta de gastronomia e de comércio aos cruzeiristas; os transportes e excursões, incluindo serviços de táxi, serviços de transporte público e privado, serviços de agências de viagens e outras organizações; os serviços técnicos especializados aos navios; a gestão portuária, incluindo pilotos da barra, reboques, taxas portuárias e outros serviços; e os agentes de navegação e outros prestadores de serviços aos navios e companhias de cruzeiros, nomeadamente abastecimento de combustíveis e provisões.
Sustentabilidade do turismo azul
O turismo náutico e o turismo costeiro representam uma extraordinária fonte de riqueza. Os recursos naturais e a beleza das áreas costeiras tornam-nas destinos populares para os visitantes, os quais valorizam um ambiente natural saudável. Porém, o aumento do número de turistas tem gerado preocupações em torno do desenvolvimento sustentável destas áreas, especialmente as que são caracterizadas por elevada densidade de construção e expansão da pegada ambiental.
O turismo gera muitas pressões sobre o meio ambiente e os ecossistemas locais, incluindo o maior consumo de água potável; o aumento na produção de resíduos; e o impacto das emissões poluentes provenientes dos meios de transporte aéreo, rodoviário e marítimo. Embora o turismo seja positivo para o desenvolvimento económico e social das regiões junto ao mar, o aumento no número de turistas tem trazido desafios às comunidades costeiras, cujo tecido económico é composto principalmente por PMEs e microempresas, particularmente vulneráveis a mudanças económicas, financeiras e políticas.
Adicionalmente, as áreas costeiras são especialmente propensas a uma série de impactos relacionados com as alterações climáticas, nomeadamente a subida do nível da água do mar; a exposição aos eventos meteorológicos extremos; e a erosão costeira – que podem ter efeitos diretos e indiretos graves no turismo náutico, costeiro e marítimo.
O turismo marítimo ou turismo de cruzeiros tem também registado crescimento global, oferecendo benefícios económicos às regiões costeiras, nomeadamente através das receitas provenientes dos consumos dos passageiros e dos tripulantes; da aquisição de alimentos e outros suprimentos pelas companhias de cruzeiros; e do pagamento de taxas portuárias e de serviços. As companhias de cruzeiros são também uma importante fonte de emprego e de construção de carreiras gratificantes, do ponto de vista profissional e financeiro, que representam a entrada de capital no país. De facto, os navios modernos são altamente sofisticados em termos de tecnologia e de inovação, inclusive nos processos de gestão e de logística, oferecendo habitats de desenvolvimento social e profissional únicos.
Por outro lado, o sucesso e o rápido desenvolvimento da indústria de cruzeiros apresentam também desafios às comunidades costeiras, ameaçando, em alguns casos, saturar alguns destinos com os potenciais efeitos negativos associados.
Aproximar pessoas e oceano
O turismo costeiro e o turismo marítimo constituem importantes fontes de receitas e de emprego, contribuindo para o desenvolvimento económico das regiões e das suas comunidades. Porém, do ponto de vista ambiental e social, colocam importantes desafios que devem ser considerados, na avaliação do crescimento sustentável do turismo em si e das regiões.
Por outro lado, a náutica de recreio ou turismo náutico (que inclui a navegação de recreio e os desportos aquáticos), além do valor económico que igualmente representa, oferece um valor de transformação social intangível, que persiste no tempo e cujos efeitos se prolongam por gerações. De facto, a náutica de recreio ou turismo náutico promove a literacia da natureza, sensibiliza para a proteção ambiental e aproxima pessoas e oceano, captando talento para futuras carreiras, ideias e investimentos azuis.
Os desportos náuticos merecem aqui particular atenção, pelo facto de potenciarem ligações permanentes e regulares de crianças, jovens e adultos ao meio marítimo e marinho, aproximando-os dos setores que constituem a economia do mar. Estas crianças, jovens e adultos são essenciais para o desenvolvimento da economia do mar que se ambiciona. Os desportos náuticos têm ainda potencial para atrair talento (nacional e internacional), transformando visitantes em residentes permanentes, em força de trabalho e de investimento.
O valor da náutica de recreio não se reduz ao turismo; o seu valor é estrutural e deve ser valorizado em estratégias de longo prazo. Aproximar pessoas e oceano é o primeiro passo para a edificação duma verdadeira economia azul, mais forte nas atividades emergentes, na inovação e no conhecimento.
CONCLUSÕES
Muito se fala de sustentabilidade no turismo e a preocupação é legítima. O turismo assume em Portugal e em alguns outros países, uma importância estratégica na geração de valor, pelo que importa estar muito atento aos seus impactos no meio ambiente e nas comunidades. Importa garantir a sustentabilidade e acautelar o futuro que estamos a preparar, para nós e para os filhos dos nossos netos.
Adicionalmente, apesar da riqueza gerada pelo turismo beneficiar o país e assim interessar a todos, a distribuição desta riqueza não é equitativa. De facto, em algumas regiões, o turismo é, em simultâneo, uma bênção para alguns (poucos) e um “inferno” para (muitos) outros.
A sustentabilidade é imperativa e não bastam as palavras – importam a consciência e as ações – agora.
O projeto INOVSEA - Inovação e competitividade na economia do mar, contribui para incrementar o estado de consciência das pessoas e comunidades, apresentando, em simultâneo, possíveis e relevantes soluções.
Sobre o projeto INOVSEA
Promovido pela Associação Empresarial de Viana do Castelo (AEVC) e pela Associação Comercial e Industrial da Figueira da Foz (ACIFF), o projeto INOVSEA visa potenciar a inovação nas PME que integram a economia do mar das regiões costeiras do Alto Minho e Baixo Mondego, tendo como base a cooperação e o incremento de competências.
A inovação, o conhecimento e as redes de cooperação são as peças centrais do projeto INOVSEA. Neste contexto, é potenciada a interligação das empresas a centros de conhecimento e de ciência, através da definição de um ecossistema de inovação que possa apoiar e agilizar o crescimento da economia do mar. O ecossistema de inovação é constituído por um segmento científico que inclui entidades de ensino, universidades e instituições de investigação; e por um segmento institucional que inclui associações, clusters, fundações, municípios e entidades públicas.
É ainda promovida a aproximação a entidades com recursos e competências específicas, nomeadamente incubadoras, centros tecnológicos, redes de empresas e de internacionalização, fontes de capital e habitats de captação de talento.
Aceda ao Plano de Ação INOVSEA e saiba mais.
Texto: Álvaro Sardinha | EconomiaAzul