Oceano ou oceanos? É mais provável que protejamos o oceano se soubermos que existe apenas um – que começa em cada um de nós; que nos liga; e que a todos pertence.
Existe apenas um oceano global (one world ocean).
O oceano é composto por água salgada; cobre cerca de 71 por cento da superfície da Terra e contém 97 por cento da sua água. O oceano é a característica mais proeminente do nosso planeta – é possível, num globo ou cartografia planificada – percorrer todo o oceano sem levantar um dedo e sem atravessar áreas terrestres.
Porém, todos aprendemos que existem quatro oceanos: Atlântico; Pacífico; Índico; e Ártico. Recentemente foi reconhecido um quinto oceano – Antártico – pelas reputadas National Geographic Society e US National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). Falta ainda o reconhecimento deste quinto oceano pela International Hydrographic Organization (IHO), a qual trabalha com o United Nations Group of Experts on Geographical Names (UNGEGN) na padronização de nomes à escala internacional.
Importa sublinhar que algumas ideias que categorizam o mundo, como o número de oceanos, podem parecer factos imutáveis. Mas, na verdade, essas categorias são baseadas em definições humanas e podem ser modificadas ao longo do tempo com novas informações. À medida que a exploração e as melhorias na metodologia aumentam o corpo do conhecimento científico, as ideias predominantes podem mudar.
O QUE DIZ A CIÊNCIA
Cientificamente falando, existe apenas um oceano global, interconectado e sem fronteiras. Este oceano global e único inclui várias bacias oceânicas (ou regiões oceânicas) com características geomorfológicas e biogeografia marinha que as diferenciam: bacia do Atlântico; bacia do Pacífico; bacia do Ártico; bacia do Índico e, para alguns autores, a bacia do Antártico.
Estas bacias oceânicas ou regiões oceânicas são comumente referidas como oceanos – Atlântico; Pacífico; Ártico; Índico; e Antártico – o que leva muitas pessoas a questionar: oceano ou oceanos?
Falar de oceano – ou de oceanos – não é uma mera questão linguística ou opção científica. No contexto em que vivemos, em que a sustentabilidade do planeta – e a saúde do oceano e a sua biodiversidade – se encontram ameaçadas pela ação humana, é fundamental estabelecer conceitos uniformes e mobilizadores, focados em ação conjunta e em gestão integrada. É fundamental pensar o oceano tal como ele é – imaginando-o como um Estado ou nação, sem fronteiras nem bandeiras.
Faz sentido diferenciar oceanos, referindo os diferentes nomes atribuídos, quando se pretende analisar características locais ou específicas, de uma determinada bacia ou região oceânica.
Porém, quando falamos de questões que afetam todo o planeta e a sua sustentabilidade; ou quando falamos de economia azul; apenas faz sentido falar de um único oceano global interconectado. De facto, o desenvolvimento da economia azul de uma qualquer região do planeta depende de um oceano global saudável; não de oceanos parciais saudáveis. Este conceito é facilmente entendido se tivermos em conta que:
– Quando falamos de poluição por plástico no oceano, não faz sentido falar em oceanos; independentemente da origem do plástico, o facto do oceano não ter fronteiras distribui o problema por todo o planeta;
– Analisando a subida do nível das águas do oceano e a erosão das zonas costeiras, concluímos que o fenómeno é global e não se circunscreve apenas a algumas regiões oceânicas;
– Se pensarmos na acidificação do oceano, resultante da dissolução na água de CO2 presente na atmosfera, não faz sentido falar em oceanos; independentemente da origem das emissões, a acidificação da água não fica contida numa região;
– O grande ciclo da água no planeta não se interrompe por fronteiras na atmosfera ou no oceano. O mesmo acontece com o ciclo do carbono. Ambos os ciclos abrangem todo o planeta;
– Quando analisamos indicadores físicos e químicos para monitorizar o estado e a saúde do oceano, por exemplo através do World Ocean Atlas (WOA - NOAA) ou do Copernicus Marine Service (UE), o modelo de base é um oceano único, global e interconectado. Por exemplo, não faz sentido estudar a temperatura da água na região do Atlântico sem estudar a mesma característica nas outras regiões oceânicas.
O QUE DIZ A LITERACIA DO OCEANO
Literacia do oceano (ou cultura do oceano) significa compreender a importância do oceano para a humanidade; entender a influência do oceano em nós e a nossa influência no oceano; desenvolver uma relação cívica com o oceano. A literacia do oceano tem não só o objetivo de educar e de sensibilizar, mas também de influenciar e alterar comportamentos.
O conceito de literacia do oceano foi desenvolvido nos EUA, a partir de 2002, em parceria por várias organizações e por professores, investigadores e cientistas. O trabalho realizado culminou, em 2005, na criação de uma plataforma e na publicação do guia Ocean Literacy, com o objetivo de fornecer orientação comum para os professores e educadores usarem conteúdos do oceano no ensino de ciências – desde o jardim de infância ao secundário. Este guia apresentou a definição de literacia do oceano e estabeleceu sete Princípios Essenciais que a suportam:
1. A Terra tem um oceano global e muito diverso.
2. O oceano e a vida marinha têm uma forte ação na dinâmica da Terra.
3. O oceano exerce uma influência importante no clima.
4. O oceano permite que a Terra seja habitável.
5. O oceano suporta uma imensa diversidade de vida e de ecossistemas.
6. O oceano e a humanidade estão fortemente interligados.
7. Há muito por descobrir e explorar no oceano.
O valor do Princípio Essencial #1 da literacia do oceano não é meramente concetual, assumindo enorme importância na consciencialização e mobilização de pessoas, comunidades e organizações, para a proteção de um oceano comum que nos liga a todos. O que acontece na Ásia, por exemplo, impacta todo o oceano e o planeta – não existem fronteiras entre as várias bacias ou regiões oceânicas. O mesmo acontece com o clima – não tem fronteiras.
A iniciativa Ocean Literacy ultrapassou as fronteiras dos EUA e foi aceite em todo o mundo. Nos últimos anos, tornou-se um movimento global conectando a dimensão humana ao oceano, visando mudanças positivas no comportamento das pessoas.
O conceito de literacia do oceano foi também reconhecido pela Nações Unidas, através da IOC-UNESCO. A Comissão Oceanográfica Intergovernamental (IOC) é parte integrante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Em 2018, esta organização adotou os sete Princípios Essenciais da literacia do oceano, através da publicação do documento Ocean Literacy for All - A toolkit.
A IOC-UNESCO apoiou a campanha “Drop the S” lançada em 2019 pela Marine CoLAB, para apelar à preferência pelo termo “oceano” em detrimento do termo “oceanos”. Reconhece assim que falar sobre um oceano único sublinha a noção de conexão e de ligação, reforçando a compreensão das pessoas de que o que acontece numa parte do oceano, afeta também as outras partes. Lembra ainda às pessoas que o oceano faz parte de um sistema global – um planeta; um clima; um oceano; um futuro comum.
De facto, falar de um só oceano é um fator de união, de responsabilidade partilhada por um “bem” comum. Lembra-nos que “o problema não é do outro” – a falta de saúde do oceano é um problema de todos – todos somos responsáveis pelo seu cuidado e proteção – o teu oceano é o meu oceano.
O QUE DIZ A NOAA
O Princípio Essencial #1 da literacia do oceano é também sustentado pelo National Ocean Service, da reputada US National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) dos EUA, que clarifica no seu portal:
“Quantos oceanos existem? Existe apenas um oceano global. Embora haja apenas um oceano global, o vasto corpo de água que cobre 71% da Terra é geograficamente dividido em regiões distintas às quais são atribuídos diferentes nomes [os vários oceanos]. As fronteiras entre essas regiões evoluíram ao longo do tempo por uma variedade de razões históricas, culturais, geográficas e científicas.”
CONCLUSÕES
O paradigma vigente tem sido “dividir para reinar” e nem a globalização conseguiu quebrar este “feitiço”. Porém, com os desafios que o planeta enfrenta atualmente, exige-se um novo paradigma: “unir para solucionar”.
Os grandes problemas da humanidade resolvem-se com foco e união; não com dispersão e divisão. Para fazer frente às alterações climáticas e aos seus impactos devastadores, é fundamental reconhecer o papel de um oceano único e global no equilíbrio e sustentabilidade do planeta. Nesta, e em muitos outras situações, mais é menos – é altura de deixar cair o “s”.
É mais provável que protejamos o oceano se soubermos que existe apenas um – que começa em cada um de nós; que nos liga; e que a todos pertence.
Por outro lado, se pretendemos promover o desenvolvimento da economia azul numa região ou país, a visão deve ser holística e considerar apenas um oceano. Sem esquecer que todos os esforços e investimentos locais, podem ser postos em causa por fenómenos e problemas aparentemente distantes.
Finalmente, ao falar de oceano ou oceanos, devemos considerar o trabalho de milhares de educadores e professores que, em todo o mundo, adotam os Princípios Essenciais da literacia do oceano, em particular o #1 - A Terra tem um oceano global e muito diverso.
Utilizar o termo ou oceano ou oceanos de forma indiscriminada ou não diferenciada, tem o potencial de comprometer o trabalho deste importante grupo de profissionais, e de enfraquecer a mobilização que promovem na defesa de um interesse comum:
Um oceano saudável – um planeta sustentável – futuro para as novas gerações.
O teu oceano é o meu oceano – Your ocean is my ocean
#youroceanismyocean
TEXTO: Álvaro Sardinha, 2022